Capítulo VIII - Lembre-se de quem você é!

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A estrela que concede vida à humanidade reluz no manto celeste, sem nenhuma nuvem impedindo-a, entretanto, uma longínqua tempestade, rara nessa época do ano, adorna o horizonte com sombras tão escuras quanto as profundezas desconhecidas do oceano.

Yang Lian observa Yang Ji brincar na varanda de casa, enquanto Yang Ming passeia com Yang Feng. Ela segura uma espada de madeira leve e tenta desferir golpes de esgrima que havia lido em livros antigos que encontrou nas coisas de seu pai. Depois de cansar-se, Yang Ji abandona a sua espada no chão e aproxima-se de seu irmão.

— Maninho, você pode contar histórias para mim?

— Sim.

— Mas não pode ser de terror.

— Sério?

— Claro, você tem muitas histórias assustadoras e sombrias. Eu não quero ouvir mais sobre elas.

— Quais histórias você quer ouvir?

— Qualquer uma legal que não seja de terror. Você já viajou para aprender muitas coisas quando tinha a idade do Ming, o que você aprendeu durante isso?

— Coisas complicadas para você entender.

— Tipo física?

— Eu aprendi física com os gregos e persas durante essa viagem.

— Há alguma história estrangeira que não seja muito complicada?

— Deseja ouvir sobre a lenda de um rei imortal?

— Sim! — diz sorrindo.

Yang Lian conta para a sua irmãzinha a epopeia de Gilgamesh, que ouve atentamente a história e a explicação dele.

— Por que ele queria ser imortal se iria presenciar a morte de todos que amasse?

— Talvez o Gilgamesh não pensou nisso.

— Por que todo mundo deseja ser imortal? Se eu criar um elixir da vida eterna, posso vender por um preço caro?

— Você acabou de falar do princípio de demanda e oferta, os Jin estariam orgulhosos de você.

— O quê?

— Por que pedras preciosas são caras?

— Porque são raras?

— E?

— Porque muita gente quer?

— Exato.

— Eu estou mais animada para brincar agora, não para estudar finanças.

— Qual brincadeira você tem em mente?

— Não sei… Vamos costurar roupas para patos voadores!

— Apesar de que os patos possuem asas, eles não voam — diz desanimado, contrastando com a energia de sua irmã.

— Por que eles não voam?

— Eu não sei, talvez sejam pesados demais? Suas asas são fracas? Lhes faltam inteligência?

— Então vamos comprar um pato, colocar ele para fazer dieta e exercícios enquanto ensinamos todo dia como voar.

— Podemos tentar, no entanto, devemos ter o acompanhamento de um especialista em patos, porque o animal precisa ser bem cuidado.

— Eba! Vamos comprar um pato e depois contratar um especialista para cuidar dele.

— Eu irei pegar o dinheiro.

◇◇◇

Situado na encosta de uma montanha retentora de grandiosa beleza, há uma varanda agraciada com a luz dos raios solares decrescentes, que diminuem humildemente sua majestosidade para conceder espaço à lua. O céu está pintado com vibrantes colorações avermelhadas e amarelas. A brisa é um pouco gélida, entretanto fresca. O ato de contemplar pintura celeste é tão aconchegante quanto se sentar ao redor de uma fogueira em uma madrugada de inverno.

Na paz existente apenas longe de seu clã, Zhu Yin descansa distante de tudo que mais odeia. Não é comum existir a chance de ausentar-se do distrito de seu clã sem motivações profissionais, todavia, por consequência das feridas adquiridas anteriormente em uma batalha sangrenta, ele foi obrigado a afastar-se de suas obrigações, e por seu pedido, foi concedido a ele a chance de descansar onde desejar. Apesar dele se recuperar, o líder não possui intenções de arriscar seu melhor guerreiro e mantém a extrema cautela. 

Zhu Yin apenas contempla a bela e ordinária arte desenhada no céu. No entanto, os ruídos emergentes do solo indicam que alguém se feriu. Uma criança que se aventurava com o desconhecido, desbravando a "imensa floresta repleta de monstros" (vale), caiu enquanto fugia das "feras devoradoras de mente" (pássaros) e começou a chorar. Logo ao perceber a situação, Zhu Yin desce da encosta, indo ao encontro do garotinho. Quando chega, ele vê o pequenino bracinho da criança colorido pelo sangue, apesar de ser um ferimento leve.

— Se acalme, está tudo bem, primeiro vamos limpar o machucado e depois fazer um curativo, pode ser? — diz com um sorriso amigável, e a criança concorda — Então iremos para o lago, quer que eu te carregue até lá?

— Não precisa, não dói para andar — os dois chegam no lago que estava a poucos passos de distância.

— Está ardendo muito? — diz enquanto limpa o sangue.

— Dói um pouquinho, mas eu aguento!

— Continue aguentando um pouco mais, eu sei que você é forte e vai conseguir — um tom reconfortante é presente em sua voz.

— Sim, eu sou forte! — e em pouco tempo, Zhu Yin termina.

— Agora eu preciso de um curativo… ah, eu não estou com nenhum — depois de pensar rapidamente, ele chega em uma conclusão — Tudo bem, use a faixa que cobre meu olho, ela deve ser o suficiente — a desamarra e faz um curativo.

— Que maneiro! Você tem uma cicatriz de guerreiro!

— Er… sim.

— Quantos monstros você já derrotou?

— Não é exatamente contra monstros que luto, mas estando animado desse jeito parece até que seu machucado não está doendo.

— Ah, isso não é nada, nenhuma dor me derruba!

— É melhor eu preparar um remédio para você, porque mesmo sendo forte, não é divertido ficar com dor por horas.

— H-horas!?

— Não se preocupe, para a sua sorte, eu sou médico — diz sorrindo — me espere aqui, eu volto daqui a pouco — ele cumpre o que disse.

— Que rápido!

— Eu não posso demorar, porque você precisa voltar para casa antes de escurecer.

— Eu não sou tão criancinha para ter que voltar cedo, eu já tenho seis anos! — A animação presente no sorriso dele é contagiante.

— Mas você precisa proteger as pessoas que você ama dos monstros que aparecem à noite.

— É, eles não iriam conseguir se virar sem mim, eu assusto todos os monstros feiosos!

— Quer que eu te ajude a chegar em casa?

— Obrigado, mas eu me lembro bem do caminho — os dois se despedem e a criança retorna ao seu lar.

As vibrantes cores do crepúsculo desvanecem, abrindo espaço para as trevas da noite. E a gentileza mostrada por Zhu Yin à criança cede espaço à escuridão residente em sua alma. Ele retorna apressadamente para casa porque não deseja que sua localização torne-se conhecida. Certamente o seu clã descobrirá que ele é culpado de todos os assassinatos, e quando acontecer, é melhor estar escondido. 

Seus pais eram desertores que, apesar de haverem ascendido à nobreza, ainda foram descobertos e mortos. Entretanto, quase todo o patrimônio deles se manteve escondido, como essa casa na montanha, o que a faz ser um esconderijo seguro. 

Ele entra em seu quarto, fecha a porta e tenta respirar. Assassinatos e mais assassinatos, quanto mais continua, mais insuportável é conviver consigo mesmo. Zhu Yin se esforça para permanecer em seu propósito: "acabar com a guerra eliminando todos os responsáveis", entretanto, quanto mais essa matança se estende, mais ele deseja apenas abandonar o plano e assassinar o único humano que ele acredita que realmente não mereça viver.

A maioria dos desordeiros em seu clã estão mortos, restando apenas o líder, todavia, entre os Yang, ainda há muito o que fazer. Há muito tempo, Zhu Yin esqueceu-se de quem ele é, o médico que sempre se preocupou com a vida se tornou um assassino.

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