A rua de paralelepípedos na chuva.

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Acordo, ela se foi e estou no escuro. Sozinha. Não... não sozinha. Tem alguém aqui. Alguém. Aqui?

Quando recobro meus sentidos, começo a decifrar sussurros vindos do salão. Se eu tivesse energia, me sentaria para ver. Mas não tenho. Fico deitada prestando atenção.

— Não — diz Luz. — Você tem agido feito uma merdinha. Não se pode ferrar alguém assim. Você entende como ela está se sentindo no momento? Você tem ideia do que fez?

— Sim, mas...

— Explique tudo ou não diga nada. Seja honesta ou cale a boca. Deixar pistas e se esconder é a pior coisa a se fazer.

— Não estou deixando pistas.

— O que você disse a ela? Porque ela sabe, Boscha. Ela sabe que tem algo rolando.

— Tentei explicar...

— Não tentou, não. Então você vai lá para dizer a ela tudo o que acabou de dizer para mim. Você deve isso a ela. Ela é uma pessoa de verdade, não um sonho de infância. Tem sentimentos de verdade. — Faz-se uma longa pausa. — Porra! É uma puta de uma revelação.

Nunca ouvi Luz xingar tanto em uma conversa.

Nunca ouvi Luz e Boscha conversando desde o dia na pizzaria.

Acho que não quero saber do que elas estão falando.

Eu me sento, parada na mesa, e me viro para olhar para as duas.

Elas estão de pé na frente da porta, Luz segurando-a com uma das mãos. Boscha me vê primeiro. Depois, Luz. Ela parece prestes a vomitar.

Segura Boscha com firmeza por um dos ombros e a empurra na minha direção.

— Se vai fazer alguma coisa a respeito de alguma coisa — diz ela, falando comigo, apontando para Boscha—, precisa conversar com ela.

Boscha está aterrorizada. Meio que espero que ela comece a gritar feito uma menininha.

Triunfante, Luz ergue o punho ao estilo de Judd Nelson.

— FIM! — grita ela.

E sai da sala.

Somos só Boscha e eu. Minha ex-melhor amiga, a garota que chorava pelos giz de cera quebrados, e Amity Blight. De pé ao lado da minha mesa, vestindo um tipo de parka por cima do uniforme.

Cruzo as pernas como fazíamos no ensino fundamental.

Não há tempo para se sentir desconfortável. Sem tempo para ser tímida, temerosa do que as outras pessoas diriam. Está na hora de começar a dizer as coisas que estão na nossa mente. Tudo o que nos faria reter — já se foi. E somos apenas pessoas. E essa é a verdade.

— Sua nova melhor amiga é maluca — diz Boscha, como quem aponta um crime.

Dou de ombros. Luz na Glandus. Luz sem amigos.

— Ao que parece, todo mundo já sabia... Luz, a maluca. Para ser sincera, acho que é só um mecanismo de defesa.

Isso parece surpreender Boscha. Dou uma risadinha e volto a me deitar sobre as mesas.

— Então, você me deve uma explicação? — pergunto com uma voz dramática, mas é engraçada demais, e eu começo a rir.

Ela ri e cruza os braços.

— Para ser sincera, Amity, não acredito que você não adivinhou.

— Bem, então eu devo ser meio idiota.

— É.

Silêncio. Nós duas estamos paradas.

— Você sabe — diz ela, dando mais um passo para perto de mim. — Você precisa pensar com cuidado. Precisa pensar em todas as coisas que aconteceram.

Uma vida (quase) solitária Onde histórias criam vida. Descubra agora