Capítulo 1 - Noite de Samhain

62 4 1
                                    

ㅡNão é como se você tivesse alguma pretensão de continuar o curso, né?ㅡ Gabriel me perguntava enquanto acendia o cigarro em sua boca. Ele precisou de cerca de alguns segundos para conseguir.

Dei de ombros, acho que isso fez ele perceber que não queria pensar muito no assunto.
Faculdade era um problema, não um grande problema, mas ainda sim um problema.

 No final das contas, eu não saí de casa pra pensar sobre isso.

Volta e meia me sentia assombrada com a ideia de que essa faculdade apenas tapava um buraco, eu nem queria fazer biologia, ainda mais EAD.
Eu só não largava porque minha mãe pagava, mas ela tinha feito questão de deixar claro que assim que tivesse um emprego eu quem iria arcar com tudo.

Torci o nariz e tentei focar em outra coisa

Caminhávamos no meio da trilha para o acampamento. Era outono e fazia um frio que se tornava mais congelante por conta do forte vento. Ainda sim, depois do silêncio que se formou entre eu e o Gabriel, pude apreciar ao redor.

As folhas caiam graciosamente depois de tanto plainarem no vento.

Nossa trilha podia ser claramente coberta por elas, mas ainda dava para ver o barro e algumas pegadas, até mesmo marcas de pneu.

As árvores não eram tão coladas, isso nos dava acesso a alguma visão panorâmica do que nossos olhos podiam enxergar de toda a enorme extensão da floresta.

O bosque fazia sons distintos, as folhas secas eram a flauta de toda a melodia. Não se tinha nenhuma criatura viva além de nós dois, isso tornava o silêncio ainda mais característico.

O céu era escuro como o nublado que podia se dizer chuva, mas nem sempre caia uma gota se quer. Não tinha nuvens, a noite já iria cair.

As colorações, as árvores balançando, o gelo que acariciava meu rosto e me fazia perceber que minhas bochechas estavam quentes.

Enfiei minhas mãos no bolso do meu moletom canguru, aquele ridículo que eu tinha com um olho grego enorme do lado esquerdo.

Eu gostava de sair de casa no outono, apesar de todo meu medo, de todo meu problema com a agorafobia e de o Gabriel ser um péssimo acompanhante. Mas ele era meu namorado, e eu tinha que aceitar que ele era um merda, afinal de contas ele me aguentava. Então, em todos os convites esquisitos dos amigos dele, eu tentava ir, mesmo que só pra fumar maconha e voltar antes das 19:00.

Confesso que dessa vez tinha me empolgado com a ideia de fazer uma fogueira.
Era Samhain ou algo do tipo. Eu não era muito praticante da Wicca, mas era uma religião que me atraia fortemente.

Quando o cheiro de comida se intensificou e o som parou de ser resumido a folhas e árvores para risadas e conversa, comecei a olhar para frente mais atentamente.

Era lindo, como se as árvores tivessem decidido por conta própria não nascer em todo aquele meio onde agora se podia encontrar duas vans totalmente pichadas, uma enorme fogueira sendo preparada para ser acesa e cerca de três jovens sentados em troncos envelhecidos.

Algumas meninas estavam no chão, sentadas em mantas ornadas com pinturas no estilo boho.
Elas tinham algumas cartas de tarô e um container de bebidas que eu posso apostar estar cheio de cerveja barata.

Reconheci uma delas na exata hora em que repousei meus olhos, ela também parecia ter se lembrado da minha feição e deu um sorriso se levantando e limpando algumas folhas secas do seu casaco.

Gabriel jogou o cigarro no chão e correu na direção dos amigos, eles pareciam estar analisando se a fogueira precisaria de mais lenha e ele nem se importou com a minha presença quando os avistou.

DecomposingOnde histórias criam vida. Descubra agora