Capítulo 2 - Óculos

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Escuta seu idiotaㅡ Laura gritava com os olhos cheios de lágrimas.ㅡ Eu sei o que eu vi porra.

O policial continuava rindo com um tom de deboche atrás da bancada, ele mal se dava o trabalho de anotar o que ela falava.

A delegacia estava vazia. Laura já havia socado tantas vezes a bancada e tentado explicar ainda mais vezes o ocorrido, mas o mesmo se recusava a acatar nossa denuncia pois estávamos sob efeito de entorpecentes.

Cheirávamos a maconha, eu vomitei muito logo quando cheguei e estávamos visivelmente alteradas. Isso era prova suficiente que nenhum exame toxicológico era necessário, pelo menos para ele.

Laura estava com o corpo todo suado e cheio de folhas secas no cabelo. Sua situação era melhor do que a minha que agora podia sentir todo o meu corpo doer. Minha mão tinha sido enfaixada por uma das pessoas que o oficial tinha chamado, mas meu corpo estava cheio de lama, folhas e do meu próprio sangue.

ㅡEscuta moça, se eu fosse você ia pra casa dormir, a não ser que queira ser presa por uso de drogas ilícitas, abuso e ameaça. ㅡEle insistiu com sua cara de deboche.

A garota bufou, bateu o pé algumas vezes com raiva e saiu da delegacia. Por hora decidi segui-la.

ㅡVocê tem meu númeroㅡMe disse cansadaㅡ Precisamos falar sobre isso amanhã. Vai ser impossível resolver qualquer coisa agora nessa situação, esse porra se recusa a me escutar.

Ele disse mais cedo que nada de ruim aconteceria nessa cidade tão pacata, já eu acho muito mais fácil de acontecer em cidades pacatas.

ㅡBem, mesmo que não nos escutem, a fogueira ficou lá, as vans e eu acredito que algum familiar deve notar e notificar algum desaparecimento.ㅡ Estava falando tão arrastado, eu mal aguentava o peso do meu corpo.

ㅡSe essa cidade resolvesse algum desaparecimento, caso, qualquer porra de crime...ㅡEla respirou fundoㅡVamos, eu te levo.

Ainda bem que a Laura tinha deixado seu carro a poucos metros da saída da floresta, se não fosse por isso teríamos de ir andando, de ônibus ou de taxi e todas essas opções me traziam um desconforto enorme, ainda mais depois de tudo que aconteceu.

Entrei no carro onde permanecemos caladas a viagem toda até minha casa.
Ela se lembrava ainda onde eu morava, isso me deixou levemente feliz. Saí do carro e entrei tão rapidamente com medo de ainda estarem atrás de mim, nada garantia o contrário.

Minha mãe estava assistindo televisão, me ignorando completamente assim que entrei. A casa cheirava bem, acho que alguma visita tinha chego durante meu período de ausência.

A única pessoa que veio me receber enquanto subia as escadas com medo foi Yule, minha gatinha preta que ronronava nos meus sapatos sujos de lama. Fiz um carinho em suas orelhas e corri para tomar um banho.

Peguei um pijama no meu quarto, o mais confortável que eu tinha que se resumia a um short e uma blusa enorme da banda Kiss. Corri tão rápido pro banheiro que minhas pernas voltaram a doer.

Tirei a roupa rapidamente, fazendo todas as coisas do bolso do moletom caírem no chão.
O maço de cigarros, a bituca, o isqueiro e o óculos. Meu corpo se arrepiou e preferi deixar eles ali por enquanto.

Estava tudo tão sujo que joguei as mudas de roupa no cesto e me apressei para tomar um banho quente. Meu corpo estava cheio de roxos, arranhões, cortes. Meu cabelo estava um ninho. A água que saia do meu corpo e caia no ralo estava marrom de tanto sangue e terra. Devo ter demorado cerca de uma hora ali dentro até criar coragem para sair, me vestir, escovar os dentes, refazer o curativo em minha mão e por fim coletar aquelas coisas do chão.

Foi difícil me lembrar do combate de hoje. Se a Laura não tivesse aparecido eu provavelmente estaria morta agora. E aquele menino, ele morreu? A Laura tinha realmente matado alguém?

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