Capítulo 7 - covarde

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Eu sou covarde
Na maioria das situações em que estive, eu sempre fugia, me escondia ou me acrisolava.
Não nasci pra ir na frente, pensar nisso me deixa nervosa, meus dedos formigam e meu corpo se estica.
Sempre atenta para deixar alguém pra trás, porque pelo menos não seria eu.

E por que eu tenho tanto apreço a minha vida? Eu reclamo dela a cada minuto, repetindo como um cântico que não vale a pena viver.
Mas eu sou a primeira a fugir quando se fala em morrer. As vezes até quando não se fala.

Até aqui, eu tinha presenciado duas pessoas morrerem e tinham quatro pessoas desaparecidas.
Até agora, Hades pediu para entrar na minha casa e apenas sumiu, não era o Hades.
Um homem com o moletom do Gabriel entrou de baixo da minha cama e nunca mais foi visto.
Minha mãe me chamava no quarto mas não era a minha mãe.

Qualquer pessoa nesse estado entraria em loucura, certo?
Seja pela carta de tarô, ou pelo menino que agora estava na minha frente apenas esperando por alguma atitude discrepante. E o que eu iria fazer?
Um machado enorme enfiado na lateral esquerda do seu corpo, parecia que aquilo ia o partir no meio. Se eu ignorar, vai ser só mais uma coisa da minha cabeça.

Respirei e comecei a levantar.
É só ignorar.
Senti a mão dele no meu pulso no mesmo instante, ele me olhava tão morbidamente que meu coração se acelerou. A adrenalina estava de volta no meu cérebro.

Olhar para o homem que tentou me matar na floresta, agora com um machado enorme na lateral de seu torso. Ele me pedia ajuda com o olhar.

Eu deveria parar de negar que uma terapia seria necessária depois de tudo isso. Se eu sair viva depois de tudo isso.

ㅡVocê tentou me matar caralho, o que você tá fazendo na minha casa e como sabia sobre aquilo? Quem é ele?ㅡPuxei o pulso mas aquilo não foi o suficiente pra ele soltar, ele ainda era mais forte que eu.

Na real, aquilo não parecia doer. Ele grunhia de frustração quando tentava arrancar o machado, mas não de dor. E na situação dele, gritar de dor era tudo que eu mais faria.

ㅡNão foi Ele quem se revelou para você, mas sim você que notou Ele.ㅡSua voz era baixa, mas aquilo fez o meu corpo se arrepiar, o que aquele garoto estava falando?

ㅡEu vou embora, talvez consiga ajuda e chame um médico, não acho que você vai sair daqui né?ㅡ Dessa vez puxei o suficiente pra sua mão se soltarㅡNão sei porque estou ajudando um psicopata doente.

Comecei a me levantar de novo, sem interrupções. Se eu tivesse um celular carregado, a polícia seria a melhor das discagens, mas eu era azarada no final. Ou talvez só despreparada.

Eu teria de chegar na casa dos meninos pra ligar pra policia, que viria aqui e possivelmente tiraria um corpo. Eu já não acredito que ele viva tanto com uma ferida desse tamanho.

ㅡSe você sair, você vai perderㅡ Sua voz era tão obscura que não parecia nem um pouco estar em tom de brincadeiraㅡ Ele sempre consegue o que quer, e Ele quer você.

Meu corpo inteiro se arrepiou novamente, como se tivesse levado um choque.
Eu já estava na porta, mas eu podia ouvir o homem se movendo no canto da sala.
Quando me virei, ele estava de pé, apoiando em uma das paredes. Seu machucado estava todo exposto agora, ainda mais na claridade. Meu estômago se embrulhou e toda a minha capacidade de me mover desapareceu. Agora minha única preocupação era não vomitar olhando para aquele pedaço exposto da lateral dele.
Mas parecia que sempre que pensava nisso, o cheiro do sangue dele se intensificava no meu nariz. Estava salivando com o gosto da bile indo e vindo na minha boca.

Como se não fosse nada e ainda sem tirar os olhos dos meus, ele colocou uma das mãos no cabo do machado e o puxou com força, dessa vez fazendo o mesmo sair como se não fosse nada. Aquilo fez sangue se respingar pra quase todos os lugares.
O homem continuava me olhando enquanto segurava aquele machado cheio do próprio sangue. A esse ponto eu já não conseguia mais olhar para o ferimento dele.
Ele e eu estávamos em uma espécie de competição de se encarar.

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