"O vento, a tarde e nós dois, a gente rindo por nada, me descobrir nos seus olhos e eternizar madrugadas."
Em casa fui recebida com a "gentileza" de sempre: minha irmã falando bobagens e minha mãe brigando porque eu tinha passado a manhã fora de casa e reclamando que eu não andava bem vestida o suficiente.
E mesmo que estivesse vestida por algum tipo de tecido com fios de ouro, nunca estaria elegante o suficiente para ela. O que era uma mudança considerável, pois quando conheceu o meu pai ela era hippie, não comia carne, não se depilava, não usava salto alto, e muito menos maquiagem. Confesso que gostaria de saber que tipo de lavagem cerebral minha mãe sofreu para ficar assim tão fútil. Também já pensei na hipótese dela não ter muita opinião própria, ou personalidade, sei lá.
Meu pai mal me olhou e já nem lembro qual foi a última vez que nós trocamos mais de duas palavras. Ele é o tipo de pessoa que gosta de falar e não de escutar, talvez por isso esteja há tanto tempo no comando da cidade. Talvez por isso também há séculos tudo permanece tão igual.
Lavei as mãos rapidamente, pois todos já estavam se aproximando da mesa, sentei no meu lugar e permaneci comendo calada, tentando não escutar os assuntos que a "nobreza" tratava e que não me interessavam nem um pouco.
A Estela ficou se empanturrando enquanto o papai discursava sobre as vantagens de ser político. Ele vinha de uma família tradicional na política e era meio chateado por não ter tido um filho homem para perpetuar a tradição. Quando ele percebeu que a mamãe não engravidaria mais, tentou me convencer a encontrar meu lado "administrador de vidas", mas foi infrutífero. Estela, como sempre de olho em tudo que se direcionava a mim, logo se mostrou interessada e virou a predileta e possível futura gestora de Novo Horizonte.
A tarde passou voando, e logo estava no trabalho. O movimento era razoável naquela noite. Estava atendendo o interior do estabelecimento, os clientes do balcão e as dez mesas. As mesinhas de fora eram responsabilidade das outras meninas, dona Vera estava no caixa, como sempre. Havia um salão onde eram colocadas as mesas externas no outono e no inverno por causa do frio, mas o inverno esse ano foi bem leve e antes do início da primavera as mesas já estavam lá fora de novo. Nosso uniforme era simples: calça jeans e camisa polo branca com a gola verde e o símbolo da lanchonete, um sanduíche sorrindo. Ridículo, em minha humilde e desconsiderada opinião, mas o que eu podia fazer?
Jose, a loira azeda que trabalhava comigo, entrou na minha área me encarando com fúria, espetou os papéis com os pedidos dos clientes no palito de ferro que ficava no balcão e veio na minha direção. Eu estava servindo uma cerveja para o motorista da única linha de ônibus que chegava até Novo Horizonte. Ele havia acabado de chegar de viagem e sempre tomava uma ou duas cervejas antes de ir para o hotel, de onde saía no outro dia por volta das dez da manhã.
– Tem um cara querendo ser atendido pela ruivinha. – Rosnou e deu às costas. – Mesa 15. – Disse da porta.
Respirei fundo, torcendo para que não fosse um bêbado chato. Peguei meu bloquinho e rumei para a mesa do tal cara. Confesso que me surpreendi quando o vi parado, segurando o cardápio e sorrindo para mim. Havia esquecido completamente do encontro inusitado com o herdeiro de Arthur pela manhã.
– Então é você que está exigindo a minha presença? – Perguntei sorrindo
– Exigindo é um termo muito forte. É um incômodo me servir?
Tentei não acreditar que ele havia dito "servir" com uma entonação diferente e comecei a conter minha imaginação, que nesse momento explorava todos os contextos que a palavra "servir" poderia ter. Sorri e expliquei que naquela noite tinha que atender lá dentro, convidando-o a entrar.
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Novo Horizonte - AMOSTRA
ChickLitNovo Horizonte foi o primeiro livro que eu escrevi, lá em meados de 2008. Escrevi e deixei engavetado, ou melhor, arquivado numa pasta do notebook. Um dia, decidi publicá-lo numa comunidade do orkut feita pra isso, e ele foi bem recebido. Mas apague...