Capítulo 2

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Indicação de música: Winter (L'Inverno) Op.8 No.4 F Minor: Allegro Non Molto

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   Sua boca pegava fogo. Aziraphale colocaria a língua pra fora e aproveitaria o vento se não soubesse como aquilo iria parecer estranho ou se sua mente não tivesse criado alguns cenários sobre como o ar da Inglaterra poderia reagir com a sua língua queimada a mostra e em plena disposição para ser contaminada. Ele preferia andar abanando o rosto como se aquilo de alguma forma fosse atravessar seu corpo e aliviar um pouco a sensação de queimar a língua. Em partes, sua língua queimando combinava com seu humor. Ele juraria que poderia soltar fumaça dele se isso fosse humanamente possível.

   Seus pés batiam no chão com rapidez. Ele não estava atrasado mas parecia precisar andar mais rápido para não ter que lidar com sua própria irritação. Mas ainda estava irritado, pensando no que as palavras do rapaz do café poderiam significar. Assim que chegou na livraria do seu pai, teve que se segurar para não bater a porta. Ninguém tinha a ver com sua irritação além dele mesmo. Ou o amigo de Nina. E ele adorava aquele lugar então sabia que se tivesse batido a porta, iria se arrepender pelo resto do dia sempre que a olhasse.

   Durante toda a sua vida lembravel, Aziraphale sempre se viu em meio de livros. Por um momento, até ficou indeciso se deveria fazer Letras ou fazer História. Ele amava história mas ele amava ainda mais saber como conta-las então acabou seguindo a primeira opção. Sua irmã havia entrado em Filosofia na Trinity. Oxford havia aceitado Aziraphale e ela era conhecida por seu curso de letras mas ele não queria deixar sua família. Não que ele estivesse reclamando de Cambridge mas ele as vezes ele se perguntava o que ele teria perdeu por não saber largar a mão de sua zona de conforto.

   Com o decorrer do dia, enquanto arrumava as coisas, arrastando livros pra um lado e para outro, passou a imaginar cenários diferentes para lidar com a própria ansiedade sobre o assunto. Talvez fosse algo bom, não é? Talvez seja algo bom. Talvez ele causasse uma boa impressão, certo? Ele acabaria falando com a irmã sobre isso assim que a visse. E isso só aconteceu durante a noite.

   Maggie era irmã de Aziraphale. Ao contrário do irmão, não havia recebido um nome elaborado como o irmão e sinceramente, ela preferia assim. Ela só aprendeu a pronunciar o nome do irmão quando tinha 4 anos então até aquela idade, ela só o chamava de Fell. O apelido acabou pegando de uma forma que durante um tempo na escola, achavam que Fell era sobrenome dele e que Azira era um erro de digitação para Ezra. Esse apelido também durou por bons tempos. As pessoas costumavam falar que era triste não ser a criança planejada mas se ser planejada significava ganhar um nome bíblico esquisito, ela estava bem com isso. Mas Maggie amava o irmão.

— Maggie... Posso falar com você? - Aziraphale disse colocando a cabeça pra dentro do quarto da irmã, mantendo os olhos fechados caso algo de errado estivesse acontecendo. — Por favor.

   Mesmo sob a luz fraca do abajur que se mantinha sendo a única fonte de luz do momento no quarto de Maggie, ela conseguia ver a forma de um bico se formar nos lábios de Aziraphale. Se ele estivesse de olhos abertos, provavelmente estaria com o olhar de cachorro abandonado que ele adorava fazer quando queria algo.

— Claro. Pode acender a luz se quiser mas de preferência, não o faça.

   Como de costume toda vez que Aziraphale ia em seu quarto, apenas arrumou sua coberta e foi para o lado na cama para dar espaço para o irmão se deitar ali. E com um sorriso, ele sempre tomava o lugar ao lado da irmã, puxando a coberta sob a cabeça como faziam quando crianças e os adultos não entenderiam a conversa entre eles.

— Hoje aconteceu uma coisa que me deixou pensando o dia inteiro. Inteirinho mesmo! Por isso eu precisava vir falar com você. - os olhos de Aziraphale estavam quase arregalados. Estava escuro mas ele fielmente acreditava que abrindo mais os olhos, ele poderia ver melhor.

   Um ponto curioso sobre Aziraphale que Maggie sempre gostava de lembrá-lo é que ele era ótimo em dar conselhos. Aos outros. Ele simplesmente não conseguia pensar em um bom caminho para si mesmo mas conseguia para todo mundo. Chegava ser um absurdo aos olhos de Maggie.

— Fell, uma coisa parecida aconteceu comigo! Hoje uma garota da minha sala disse que ninguém mais na escola usava laços por vontade própria. Da pra acreditar. - ela disse em um tom quase de indignação.

— Mas isso não é algo ruim! Talvez ela estivesse impressionada com a sua coragem ou... Oh! Entendi. - ele ainda não podia ver o rosto de sua irmã mas tinha certeza que conseguia ver por trás da camada de escuridão o sorriso de Maggie.

   Conversar com Maggie era fácil. Ela parecia ver as coisas de uma perspectiva que Aziraphale simplesmente não conseguia. Talvez fosse mais fácil resolver um problema quando você não está envolvido nele diretamente.

— Talvez ele só estivesse te admirando, Fell. Você precisa acreditar que existe a possibilidade de outras pessoas te acharem tão bonito quanto eu acho. Porque você é lindo de todas as formas.

   Aziraphale não conseguia ver no escuro de estar debaixo das cobertas de Maggie mas ela parecia conseguir ver o suficiente para conseguir segurar o rosto de Aziraphale e apertar de leve sua bochecha antes de fazer um carinho em cima do local. Ou talvez ela só conhecesse bem o irmão que tinham.

   Pelo menos daquela forma, Aziraphale poderia parar de pensar um pouco sobre evitar sua cafeteria favorita. E os corredores da faculdade. Ou qualquer garoto que parecesse um buraco negro com todo o preto que usava. Poderia parar de pensar se tinha algum problemas em suas roupas, também e isso era um grande alívio.

   Aziraphale saiu do quarto da irmã com um sorriso. Soltando um suspiro como se acabasse de se livrar de um peso terrível. Então ele percebeu que a língua já não incomodava mais porém o cansaço de ter se enchido de coisas para fazer para não pensar tinha suas consequências. As vantagens é que agora, pelo menos ele iria conseguir dormir.

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Curiosidade sobre buracos negros:

— De acordo com a teoria da relatividade geral de Einstein, um buraco negro é uma região do espaço-tempo onde a gravidade é tão intensa que nada, nem mesmo a luz, pode escapar dela uma vez que tenha cruzado o limite chamado horizonte de eventos.

— Um buraco branco é uma solução teórica das equações da relatividade geral de Einstein, que é o oposto conceitual de um buraco negro.

— Em termos físicos e astronômicos, o oposto de um buraco negro seria uma estrela em pleno funcionamento.

• Algumas representações de Winter de Vivaldi são:

Tempestade: A música frequentemente começa com uma tempestade, com violinos e instrumentos de cordas imitando o som do vento uivante e da chuva torrencial.

Frio e agitação: Vivaldi usa escalas e passagens rápidas de notas para criar uma sensação de frio e agitação.

Contrastes: A peça também incorpora momentos de calma e serenidade, contrastando com os momentos turbulentos, como uma representação da variação do clima no inverno.

O Fogo da Lareira: Há seções que podem representar o conforto e o calor de uma lareira, trazendo uma sensação de refúgio do frio intenso

• Arte da capa: @den_0618 no twitter

Young Omens - AU AziracrowOnde histórias criam vida. Descubra agora