Uma Breve Introdução

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Em meu país a guerra tem muitos nomes: A Guerra de Libertação, O Estupro da Nação, A Nossa Cruzada, O Levante, pessoalmente, gosto deste último, apesar de muitos discordarem, pois, tal termo não pode resumir toda a estrada que nos trouxe até aqui, entretanto, enxergo tal designação de outra maneira. Creio que uma breve introdução seja necessária para contextualizar velhos e novos leitores, compatriotas ávidos ou estrangeiros curiosos que eventualmente lerão esta obra. Bruno Locatelli é o nome deste que vos escreve, nasci e fui criado em Montrávia, sempre fui parte e testemunha ocular do sistema nervoso que forma esta nação, sou repórter e correspondente de guerra da Rádio Reppublica, além de fotógrafo e colunista para a Gazeta Nacional, devido ao meu currículo e experiência (e também pelo motivo de eu ser o único profissional do ramo ainda vivo ou que não havia deixado o país) fui incumbido pela nova junta governamental a iniciar um trabalho de recolhimento e preservação do testemunho sobre o conflito atualmente conhecido como a Segunda Guerra Mundial, e registrar para a posteridade os efeitos dentro da sociedade de Montrávia. Não preciso dizer o quanto fiquei animado com esta proposta (eles até mesmo usaram um pouco da escassa verba para comprar um gravador para facilitar o recolhimento), pois, como veterano de conflitos anteriores, desenvolvi uma paixão incontrolável de ouvir, coletar e registrar os testemunhos de anônimos, pequenas engrenagens dentro deste coletivo que chamamos de Legado. Porém, quando terminei de gravar os depoimentos e os entreguei para a Comissão, os grandes burocratas, aos quais não citarei nomes para evitar ações contra minha pessoa, entenderam as mais de 120 horas de gravação e duzentas e oitenta e oito folhas escritas, como contendo "visões muito pessoais" e por este motivo cortaram a obra pela metade, arquivando-a para futuramente passar em aulas cívico-sociológicas, não preciso dizer o quão indignado fiquei, muito menos que você, caro leitor, saiba a cena que se desenrolou em frente aos líderes desta nação. Após ser forçadamente colocado para fora do gabinete infestado de letárgicos, eis que tenho uma conversa com o diretor da Comissão, o que se desenrolou a partir daí foi um misto de insultos e discussões civilizadas entre dois cavalheiros onde externei como sentia que a Comissão estava desperdiçando meu trabalho e jogando no lixo o testemunho de honrados e sofridos cidadãos que, assim como eu, como os burocratas, como os soldados, as enfermeiras, as mães, os pais, as famílias, haviam sobrevivido àquele conflito sangrento onde o pior do ser humano transbordou para além da cortina de aparências que todos nós construímos, jogando no lixo tão preciosos detalhes humanizantes apenas pelo motivo que algumas verdades não agradavam aqueles que os ouviram em primeira mão. O diretor perguntou se eu possuía uma cópia dos arquivos originais, eu, como o profissional calejado que sou, disse que "obviamente que sim, principalmente após os incidentes em Ascara", ao qual o diretor replicou "Então escreva a merda de um livro com tudo o que você tem e pare de reclamar!". Então, foi exatamente isso que fiz. Neste pequeno e singelo manifesto, meu fiel leitor, encontrarás a verdadeira face do Levante, passado a você através não dos meus olhos ou das estatísticas ou das páginas limpas de um livro didático empoeirado em alguma prateleira, mas através dos olhos de pessoas comuns que acabaram por serem envolvidas pelos tentáculos da história. Através desta obra tenho o intuito de humanizar os números.
Tenha uma boa leitura.

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