Sobre Montrávia

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Sítio Arqueológico da Muralha Santa, Província Cássia-Serenne

[Como desde de sua concepção, este projeto possui a intenção de servir além do povo montravi, foi-me instruído recolher os testemunhos de 3 especialistas de áreas distintas para adicionar um pouco de contexto sobre o que é Montrávia para os leitores estrangeiros, considerando que, até a presente data de edição deste documento, nosso país não passa de uma nação quase esquecida atrás das cortinas do teatro geopolítico. Sendo assim entrei em contato com Magistrate Alexios Scarpa renomado historiador, arqueólogo e antropólogo da Pontifícia Universidade Católica de Santa Adahlia, autor de "Montrávia - Quando a Crença Moldou uma Nação", um compilado de pesquisas minuciosas sobre a origem e história do povo montravi, feito em parceria com Dom Julius Claudius Augustin, Bispo da arquidiocese de Santa Adahlia. Nos encontramos em meio às ruínas da antiga Muralha Santa aos pés da Cordilheira de Nero. As pesquisas arqueológicas neste sítio foram abruptamente interrompidas devido a guerra, intelectuais envolvidos no projeto, como o próprio Sr. Scarpa foram obrigados a se exilar em terras gregas, porém, agora que retornou, o ávido doutor retomou as pesquisas por sua conta e com uma pequena equipe de voluntários mesmo que o território ainda esteja sob ameaça constante de guerrilhas nazistas e comunistas. O encontro afundado em um buraco, minuciosamente retirando a lama de um fragmento desconhecido, o doutor demora a notar minha presença.]

Oh, perdão. Estava tão concentrado em mais este achado que não percebi sua presença. [Scarpa emerge do buraco, limpando as mãos em seu casaco, em seguida me cumprimenta] É o fragmento de uma peça de cerâmica do período das invasões bárbaras. Um belo exemplar. É revigorante poder estar de volta na lama desenterrando nosso passado! [Sentamos em uma tenda, onde uma das cozinheiras do acampamento nos oferece um chá gelado de Mitra da Montanha] Veja bem, Montrávia possui três pontos chave que definiram a nossa trajetória. A história de Montrávia propriamente dita começa quando Júlio César desembarcou com suas Legiões na nossa costa em seu caminho para tomar os Balcãs por volta do ano 60 antes de Cristo, ele encontrou aqui uma série de tribos bárbaras, em torno de vinte e três grupos étnicos, linguísticos e culturais distintos, com traços eslavos, gregos e lírios predominantes, com alguma característica árabe e persa, como se observa em certas mulheres do Leste. Em sua maioria eram pacíficos e aceitaram a ocupação romana de bom grado, outros foram subjugados com o tempo, na época os romanos deram o nome a essa província de Terra Montibus - Terra das Montanhas - fundando um assentamento no que hoje conhecemos como nossa capital Santa Adahlia, ao qual batizaram a época, Caesareia Orientalis. Após isso suas Legiões cruzaram os Alpes pelo que hoje conhecemos como Passo do Ditador, nomeado assim em sua homenagem, para pacificar o Leste do território. A campanha de pacificação do Leste nunca foi verdadeiramente concluída, aquela terra pobre de recursos sempre foi uma rocha dura em meio aos objetivos de todos os monarcas que pisaram nesta terra. A resiliência do povo do Leste é resultado direto do ambiente em que vivem, mas abordarei este ponto mais tarde. Roma foi o primeiro ponto de virada em nossa história, os romanos trouxeram nossos nomes, nossa cultura, nossa língua, nossas leis e nossos costumes, sem Roma, Montrávia não seria nada, assim como todo o mundo ocidental, por este motivo, já muito evidente naquela época, vivemos em relativa paz e cooperação com a República e posterior Império Romano, algumas pequenas rebeliões sem significado ocorreram, mas os relatos destas são tão escassos quanto o impacto que tiveram. Porém, em meio a todas estas mudanças, os romanos falharam em trazer uma crença forte, e é aí que entram os cristãos. Sabe? Os antigos bárbaros possuíam muitas diferenças mas algo em que todos eram unânimes eram em sua veneração do Monte Nero, isso se vê em vários achados datados desde o ano 9.000-10.000 antes de Cristo, em sua maioria pinturas em cavernas das primeiras civilizações a habitarem essa península, o curioso disso é a ênfase que dão ao pico da montanha e em figuras muito semelhantes a representação dos anjos no cristianismo, que, aparentemente, se comunicavam com eles, mas como em muitas outras culturas da época e até posteriores, como os egípcios, que retratam criaturas parecidas em sua mitologia, isso pode ter sido uma interpretação errônea de algum fenômeno natural ou animal, ou apenas a invenção de algum ancião de vilarejo. O que quero dizer é que a crença sempre foi algo que uniu nosso povo, a retirar de suas diferenças, como vimos no mais recente Levante. [Sr. Scarpa faz um intervalo para recuperar o fôlego] Eu nunca fui um homem religioso, sou cético, sempre fui e sempre serei, no entanto, reconheço a importância que o sacrifício das Irmãs Mártires teve em nossa formação, o legado que ambas deixaram reflete-se até os dias de hoje, e já nos salvou de muitas situações desesperadoras, por simples fé inabalável de seus devotos, apesar de que creio que os horríveis e condenáveis acontecimentos que se desenrolaram no Mosteiro do Vale Augustus irão ofuscar tal fato nos próximos anos. Fiquei enojado ao saber do ocorrido quando retornei do exílio. Selvagens, todos eles! [Há um minuto de silêncio antes de prosseguirmos] A religião é sim um grande pilar formador de nossa nação e que esteve diretamente relacionada ao momento que criamos nossa verdadeira identidade como Montrávia neste terceiro pilar formador que irei abordar agora. Quando o Império Romano do Ocidente caiu, nós ficamos virtualmente desprotegidos, em meio às invasões dos hunos houve queda significante no sentimento de unidade, as culturas antigas dos povos que habitavam a região antes do domínio romano começaram a vir á tona, e em dado momento a única característica que estas pessoas tinham em comum era a religião cristã, os próprios hunos que se estabeleceram aqui, principalmente no Leste, após a destruição de Ascara por Átila, acabaram se convertendo também, e nisso os trouxemos para dentro de nossa civilização de tal que quase um século depois já não se via mais diferença entre nós e eles, no lado oriental da cordilheira, pelo menos. Após o colapso da Horda Dourada nós enfrentamos outra ameaça emergente, o Islã, os sarracenos. Quando os romanos caíram e os hunos nos abandonaram, foram formados seis reinos aqui em Montrávia: O Condado de Ecclesia, o Reino de Cantarella, O Principado de Candela, o Baronado de Mondrian e o Principado de Montrávia, - o menor de todos e mais importante, governado por uma união da elite latina sobrevivente - a União Eslava que abrangia parte de Serenna, Nerum, Raijn e San Timotheo, e o Reino de Barone, no Leste. Todos estes viviam em estado de guerra civil constante, então, quando os sarracenos desembarcaram nas costas de Santa Adahlia e Candela por volta do ano 830, não estávamos preparados, de início foram apenas raides aleatórios e devastadores principalmente nesta parte ocidental, então, quando a verdadeira força de invasão muçulmana desembarcou em nossas praias, todos os reinos foram queimados até as cinzas, literalmente, com exceção do Principado de Montrávia e o Reino de Barone, ambos protegidos pelas montanhas. Sabe, Montrávia eram um reino pequeno, cercado pelos seus rivais-irmãos e encurralados pelas montanhas, no entanto foi exatamente estas caracteristicas e a liderança do jovem principe Bragatti I, que o fizeram prevalecer sobre todos, incluindo o inimigo muçulmano. Quando os sarracenos atacaram, os montravi fugiram para as montanhas que forneceram uma fortificação natural contra o invasor. Bragatti I, O Santo; O Jovem; O Libertador e Pacificador. Assumiu o comando do Principado com 14 anos após a morte de seu pai em um caso avançado de tuberculose, bem nos anos mais turbulentos do domínio islâmico. O jovem príncipe cresceu vendo os abusos do invasor, isso alimentou uma sede de sangue e vingança e foi o que aconteceu. Montrávia se aliou a Barone e juntos adotaram uma estratégia de terra arrasada, ataques rápidos na terra e atrito nas montanhas, os mouros não estavam prontos para o clima rigoroso dos nossos alpes, fizemos com que eles pagarem caro por trinta anos. Então, quando notou-se fraqueza na lenta perda de território e rotina das sortidas, os Alpes eram nossos, uma muralha natural intransponível que Bragatti fortificou ainda mais com fortalezas em pontos altos, ninhos, armadilhas, o pesadelo na terra, assim sendo, nós descemos das montanhas e começamos a retomar o que era nosso. A campanha durou dez anos, e em 1098, Bragatti reuniu suas forças e fez na foz do rio Milagro, a época ainda Vênus, seu campo de batalha. Os muçulmanos nos venciam de três para cada um homem, a batalha durou um dia inteiro, perdemos a iniciativa em meio ao combate, o exército Montravi perdeu a garra, os islâmicos começaram a massacrar a ala esquerda de Bragatti, começamos a ficar encurralados contra a margem direita do rio, então, segundo os relatos, Bragatti, um cristão convicto, ajoelhou e começou a rezar o Pai Nosso, rogando por ajuda, seguido por suas tropas, subitamente o céu se abriu e um enorme raio de luz seguido de uma cruz apareceu sobre o campo de batalha, os mouros se assustaram e começaram a recuar, segundo o relato do próprio príncipe Bragatti em seu diário, ele recebeu a benção das próprias Santas Mártires que o levaram até Cristo. Com ímpeto renovado, Bragatti se pôs sobre seu cavalo novamente e urrou a plenos pulmões aquilo que se tornaria o grito de guerra da nossa nação que está estampado até hoje em nossa sagrada bandeira: "Pro Deo, et Pro Montrávia!" - Por Deus e Por Montrávia - cético como sou, não nego a importância que a religião teve na formação deste país e como esse elemento formador se resumiu tão bem nessa simples frase que conseguiu, finalmente, unir um povo, aparentemente, eternamente dividido.

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