Antecedentes - Luca

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Luca - A Invasão Italiana

Villaggio Santa Fiorina, República de Montrávia

[Por razões de preservação da integridade física da testemunha seu nome não será revelado, sendo identificado apenas pelo alter ego de "Luca".]

[Aproximei-me do local marcado para captação da entrevista, uma bela Villa rodeada por vinhedos fartos espalhados por incontáveis hectares de pasto verdejante cor de esmeralda que cobrem as dezenas de colinas ao redor do pequeno povoado de Santa Fiorina. Enquanto caminho pela estreita e longeva estrada de pó que me levará até a Villa, percebo que aos poucos o nosso espírito renasce, a terra se cura, os silvos da artilharia se silenciam, e as pessoas... Bem, gostaria que se curassem tão rapidamente quanto o mundo. Minha próxima testemunha deixarei para você, meu leitor, julgar. Mas tenha em mente que não existem heróis na história dos homens. Quando adentrei a casa de pedras no topo da colina, uma graciosa jovem já estava de prontidão à minha espera, ela, educadamente, indica-me o caminho para o piso superior onde meu entrevistado, identificado aqui apenas como Luca, me aguarda.]

Salve, jornalista. [Um homem vestido com chapéu e terno negros me saúda com sua atenção voltada para os infinitos vinhedos a frente. Sento-me ao seu lado na varanda. O homem me ofereceu uma taça de vinho assim como a sua.] É lindo, não é? Como essa terra não reflete os horrores perpetrados nela?

[Concordo silenciosamente]

Quando os italianos atacaram eu estava servindo no 506º Regimento da 120ª Divisão de Infantaria de Serena, estávamos estacionados em nosso quartel em Serena, do lado oriental da cordilheira. As pessoas acham que os fatores que nos levaram à derrota total naquele dia se originaram apenas naquele dia. Não, pra que você entenda aquela humilhação monumental do Valle Augustus tem que retornar pra uns três anos antes. Todas as variáveis que nos levaram à derrota tem origem no massacre em Ascara. Ao qual tive a infelicidade de presenciar... Não, não fui apenas uma testemunha. Se tivesse sido ainda conseguiria dormir. Nós perdemos mais naqueles 6 meses de revolta do que em 5 anos de guerra. Nós não cruzamos os limites do que é humano, nós destruímos esses limites, comunistas e lealistas. Eu mesmo fiz coisas impossíveis de se narrar levado pelas cicatrizes não curadas do passado e toda aquela atmosfera de ódio e medo. O legado daquela guerra civil de 1920, foi a Revolta de Ascara. Nós só não viramos uma Ucrânia Soviética porque não demos tempo dos vermelhos fazerem tal coisa, mas não quer dizer que os cinco anos que eles ficaram no poder não foram igualmente destrutivos. A fome, os confiscos de grãos e lã no inverno, as depredações, as execuções públicas, a profanação, o Genocídio das Minas de Villa Augusta... Tudo isso culminou no banho de sangue nas ruas de Ascara. Não estou tentando justificar o que fizemos apontando os erros do outro, só estou dizendo que tudo está interligado, como uma corrente que nos leva para aqui, no dia de hoje.

Quando a revolta estourou eu já estava servindo a dois anos na 120ª de Serena, comandava um esquadrão de seis homens das unidades de lança chamas, que vocês da imprensa apelidaram de "Crematori". Não estavam totalmente errados. Pela nossa proximidade da revolta fomos os primeiros a reagir, pacificando justamente o nosso quartel em Serena e depois resistindo ao cerco dos comunistas. Ah e como eles queriam retomar aquela cidade. Ficando bem na entrada do Passo do Ditador, era a galinha dos ovos de ouro para os dois lados. No início da revolução eles até se saíram bem, afinal, não foi só uma revolta dos derrotados do Caminho Vermelho, mas também militar. Alguns distritos aderiram à causa, deve lembrar do 27º Regimento de Infantaria, não é? Os tenentes executaram o general Bertholdo nos aposentos dele no quartel junto com a família toda e depois se amotinaram contra os outros oficiais matando quem não aderisse a revolta. Então, no primeiro mês eles estavam bem armados e tinha gente bem treinada do lado deles. Seguramos a cidade por dois meses até que outras divisões viessem nos resgatar. Foi difícil mas não deu nem um gostinho do que estava por vir. Se o inverno não tivesse atrapalhado as operações deles tenho certeza que em menos de uma semana nós teríamos perdido Serena e aberto o caminho pro oeste. Valdi Lanz como sempre, conseguiu inflar bem os ânimos do povão e de alguns militares injustiçados, mas ele nunca foi um bom estrategista, a primeira prova é essa: começar uma ofensiva militar no inverno e ainda nas terras mortas do Leste onde a neve chega até o seu peito e a lama trava até os tanques. Mesmo assim, apenas o espectro de um retorno dos comunistas ao poder depois de menos de uma década de livramento, nos assustou e muito. E para muitos, como eu, era algo que afetava pessoalmente.

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