1.

331 32 164
                                    

Um suspiro alto escapou dos lábios de Gon: ele não parecia estar tentando esconder seu descontentamento com aquela situação. Mais uma prova em mãos, seus amigos aglomerados ao seu redor prontos para comemorar uma vitória ㅡ oras, Gon havia passado dias estudando, desmarcou compromissos, afirmou e reafirmou que, para essa prova, iria tentar, e ele não era burro, sabiam que com esforço conseguiria, então o que poderia dar errado?
Enquanto os sorrisos ao seu redor lentamente iam se desfazendo, tapinhas no seu ombro de consolação e negações do mais puro luto estampado nas feições amigáveis e repletas de compaixão dos seus colegas, o problema ficava mais claro: não tinha sido vitória, havia sido fracasso.
O cinco vírgula nove estampado bem à frente de sua prova de física, em vermelho, evidenciava bem isso ㅡ e cada passo que tomou até sua cadeira, mesmo aqueles permeados de palavras de consolação como: "no boletim arredonda pra seis", foi repleto de miséria. Killua olhava para si ansioso, ainda que parecesse já saber o resultado pelo curvar decepcionado de seus ombros, e Gon apenas bateu com a prova acima da mesa dele antes de se jogar na cadeira ao lado decepcionado. O platinado puxou a prova para si, analisando suas respostas, o som alto da página virando momentaneamente sobrepondo o silêncio que antes era tomado por Zushi procurando canetas para assinar a ata.
O Zoldyck fez uma careta amarga, expressão dolorida como se ele simpatizasse com seus problemas, mas Gon simplesmente sabia que esse não era o caso: o belíssimo oito vírgula seis abaixo da sua prova havia sido a maior nota da sala. Ele ainda ousava dizer que não era muito bom em matemática, que descarado.

Gon abaixou a cabeça na mesa, um guincho birrento e tristonho escapando de seus lábios ㅡ o que deveria ter atraído a atenção de seu melhor amigo, pois os longos dedos que sabia pertencerem a ele logo vieram acariciar seus cabelos.

ㅡ Eu sou um idiota, Killua.

ㅡ Relaxa, pô... É só uma nota. ㅡ Ele enrolou uma mecha esverdeada num dedo. ㅡ Você recupera.

"Você recupera."
Gon já tinha ouvido isso milhares e milhares de vezes, e enquanto em todas elas tinha conseguido passar raspando, essa não era sua maior preocupação. Mito disse que sequer ousasse ir para as provas finais, iria lhe proibir ver Killua e sair de casa até receberem confirmação de que tinha passado de ano ㅡ o que queria dizer que, se fosse para as provas finais, perderia a data da viagem a dois que planejavam com tanto entusiasmo desde o nono ano do fundamental. Isso, por sua vez, significava que Killua iria passar meio ano suspirando pelo dinheiro perdido na reserva do Chalé, pensando nas memórias que poderiam ter construído ㅡ e Gon iria ler seus romances sentindo uma tristeza incondicional em seu corpo, porque, por mais que não tivesse exatamente segundas intenções quando planejaram essa viagem, convenhamos que dois adolescentes sozinhos numa cabana isolada sempre foi sinônimo de coisa exótica. Seria ainda pior faltar isso porque, como ambos seriam enfim maiores de idade e não teriam supervisão, poderiam se embebedar até desmaiarem juntos no assoalho frio ㅡ ele sentia um arrepio na coluna só de imaginar: já pensava nas dores do dia seguinte, ambos resmungando como velhos por terem dormido de mal jeito ㅡ, quem sabe até trocar uns beijos embriagados e falar sobre o futuro ㅡ sonhar grande como fizeram aos quatorze anos e planejaram essa viagem, talvez desse certo se começassem a se preparar ainda mais cedo.

O moreno apenas suspirou, movendo a cabeça para poder olhar para Killua. Ele abriu a boca, prestes a revelar a infeliz verdade, mas por fim decidiu não preocupar o amigo com aquilo.
Ao menos, não durante aquela aula.
A vida dele estava muito agitada e Gon simplesmente sabia que quando ele recebesse essas notícias, iria surtar.

[...]

Gon estava certo. Killua ficou absolutamente em choque com as notícias.
Tão em choque, deveria dizer, que estava há vinte minutos vidrado no papel em branco que pusera na frente dele ㅡ imóvel como uma estátua, talvez uns tons mais pálidos do que a costumeira candura de sua pele. Ele tinha revezado entre olhar de si para o papel ㅡ as íris azul marinho capturando com uma facilidade estrondosa seu fascínio ㅡ,  naquele estado meio distante de mente, mas enfim retornado a olhar para o que pareciam ser manchas de tinta invisíveis para qualquer um que não o rapaz ㅡ como se Killua segurasse no sol o papel para revelar as palavras que um pincel embebido de limão e marca-texto tinha escrito, porém estivesse se queimando com o quão concentrados estavam os raios que buscava.

TESTES [📄] ; killugon ˎˊ˗Onde histórias criam vida. Descubra agora