7.

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Gon tinha pelo menos treze anos, quando sentiu aquela sensação terrível de desagrado de uma forma inédita. Pela primeira vez em muito tempo, o garoto passou horas deitado na cama apenas contemplando o teto branco acima de sua cabeça e a música suave em seus ouvidos; suspirou, encolheu-se em seu próprio corpo e mesmo choramingou baixinho como um cãozinho abandonado ao pensar nos acontecimentos do dia.
Ele tinha tirado quatro numa prova de matemática, e, por mais minutos do que deveria ter dedicado, questionou sobre sua própria existência ㅡ se um dia seria mais do que apenas o filho de seu pai, mais do que o melhor amigo de Killua, e mais do que alguém que precisava estar na sombra dos outros para ter a falsa sensação de algum brilho. Bem, Gon tinha tido sua primeira crise existencial, e por essa razão (por não entender o que estava acontecendo, nem conseguir expressar o quão dolorido seu coração pulsava), fez o que fazia de melhor quando estava se sentindo triste e confuso: afogou-se em cobertas e resmungou consigo mesmo todas as razões das suas ㅡ plausíveis ㅡ falhas como se fossem erros absurdos.
Martirizou-se, até que a janela abriu, e Killua caiu em cima de si, porque por alguma razão tinha se desequilibrado ao entrar ㅡ ele puxou para baixo seu lençol, e ao ver seus olhos vermelhos, apenas franziu o cenho e cutucou seu rosto como se alucinasse. E claro que Gon fungou, escondeu-se de volta no seu casulo e abraçou o amigo como se fosse um fantasminha enrolado no lençol; pediu por ajuda, perguntou se ele estava entendendo alguma coisa de álgebra ㅡ ainda que estivessem em escolas distintas.

Foi a primeira vez que Killua decidiu lhe ensinar ㅡ e a última, durante muitos anos. Quiçá seria melhor mentir e dizer que a maior altercação que sustiveram naquele tempo foi quando Gon jogou um transferidor na testa do amigo e recebeu de volta uma cadernada na cabeça, porém a maior desavença que já tiveram se deu na época, e ele já sabia que não fazia sentido se enganar sobre assuntos tão delicados.
Oras, o primeiro momento que Gon teve contemplando sua mísera existência como apenas mais um ser humano foi causado por não se sentir bom o suficiente, e era justo que o motivo da briga houvesse sido o mesmo.
Pois era diferente ouvir seu próprio cérebro dizer que era estúpido e não prestava, porque ele jamais esperaria ouvir palavras parecidas do seu melhor amigo ㅡ e claro que não havia sido de propósito, ele apenas lhe xingou no calor do momento, Killua estava estressado com o final de ano (já que os feriados de fim de ano na casa dos Zoldyck eram, no mínimo, caóticos), e talvez o peso adicional de saber que Gon reprovaria se não o ensinasse corretamente tinha ferrado demais com sua existência.
Os dois disseram coisas que se arrependiam, e Gon marchou para fora da casa dele em passos pesados, repleto de frustração, encarando feio a todos que encontrava.
E talvez tivesse chorado um pouco quando chegou em casa, porque odiava pensar que seu melhor amigo não via muito valor em si, porém isso não era algo que Killua precisava saber ㅡ ainda mais após tantos anos.

Resolveram isso de uma maneira simples, logo quando Gon recebeu o resultado da prova, e o dez não mentia. Killua podia até ter sido um péssimo amigo, mas foi um ótimo professor.
Quando ele soube que tinha passado de ano, os dois estavam jogando uma partida de build battle, e o pedido de desculpas pronunciado por ele foi um dos mais sutis que pensava que ouviria em sua vida.

ㅡ Você mandou bem. ㅡ Suspirou. ㅡ Você manda bem sempre. Não digo tanto isso quanto deveria.

Mas Killua sempre conseguia se superar, toda vez que Gon mirava as orbes azuladas e via nelas seu reflexo como se encarasse um barril de pólvora; via nele, toda vez que fitava àquela expressão fleumática (que tão bem complementava seus traços tranquilos), seu próprio mundo girar e parar, sem nem lhe dar chance de conseguir manter o equilíbrio.
Era que Gon estava caindo, cada vez mais, e Killua estava mudando cada vez mais.
Ele conseguia lhe surpreender com um sorriso cansado após acordar do seu lado, é claro que conseguiria causar uma intriga ainda maior na sua cabeça após ter lhe beijado daquela forma.
Porque ele passou uma semana ignorando completamente sua existência, e agora que lhe reconhecia, não citou uma palavra sequer sobre o maldito beijo.
Não disse onde estava, o que fez, não disse nem mesmo se tinha corrido por perceber que o que estavam fazendo era loucura ㅡ ou se tinha corrido por perceber que gostava demais.
Ele poderia mesmo sanar a mais branda de suas dúvidas e sequer responder porque retribuiu, porém nada fez além de manter uma distância desnecessária entre ambos corpos, sorrir como se nada tivesse acontecido e fazer piadas com coisas mundanas, sem sequer demonstrar um pingo de emoção pelo acontecido daquele fim de tarde na cozinha.
Porra, era Killua quem tinha deixado marcas no seu pescoço e lhe posto na bancada para lhe beijar com uma ferocidade e desespero de quem estava prestes a morrer ㅡ então por que o desgraçado estava lidando tão bem com tudo aquilo?

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⏰ Última atualização: May 03 ⏰

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