TESTES [📄] ; killugon ˎˊ˗

3.

Algumas coisas tinham um certo ritmo espalhado pelo ar ㅡ cada partícula suspensa no ar, uma após a outra, dançava em certo tom que circundava seu corpo em momentos específicos.
Ele conheceu Killua numa noite extremamente chuvosa de ano novo, quando ainda estava triste porque seu pai não pôde comparecer mais uma vez, e acabou sozinho numa praia há alguns metros longe de sua tia, isolado por uma tempestade momentânea.
Não bastava dizer que foi um daqueles momentos específicos que o tempo ao seu redor parecia passar bem mais devagar.

Gon estava deitado debaixo de um guarda-sol, quase dormindo entre duas cadeiras de praia na frente de uma casa maior do que pensava possível ver na sua vida: garrafas de guaraná jogadas aos seus pés, cheias de areia porque estava as utilizando para cavar buracos procurando marias-farinha, olhos inchados por um choro recente, quase fechados antes de sentir alguém cutucando sua bochecha ㅡ Killua tinha dedos gelados, tão frios quanto a brisa da meia-noite ao seu redor, e ele perguntava se, antes dos fogos, havia visto uma garota de cabelos negros correndo por aí. Ainda tinham uns oito anos, mas o Freecss jamais esqueceu da sensação gelada do vento na sua nuca, de como seus cílios condensavam com o mix da água do oceano e da chuva, nem como e a areia nas suas mãos era áspera ㅡ ele também nunca esqueceu que os olhos do menino estavam da mesma cor do oceano tempestuoso, do jeito que a lua, apesar de escondida entre as nuvens, refletia um brilho lustroso na pele dele e fulgurava nívea, aureolar, delineando a silhueta das roupas do menino como se ele fosse um anjo; contudo não era assim tão relevante mencionar como ele ficava adorável de branco e completamente encharcado pela chuva.

Então, bem, observando-o naquele dia, numa casa bem diferente daquela que ele morava quando eram mais novos ㅡ uma mais longe da cidade, tão reclusa que exibia um território vasto com árvores de copa alta, recobrindo tudo abaixo do local como se os visitantes estivessem num arvoredo denso ㅡ, Gon sentiu uma sensação parecida com aquele frígido contato que tiveram no dia que se conheceram. Era algo que tinha percebido mesmo dentro do carro, quando Gotoh veio os buscar naquela tarde e Killua se sentou extraordinariamente distante de si; Gon reparou que estava frio demais no instante em que recostou a bochecha no vidro do carro para observar as gotas do chuvisco condensadas ali ㅡ e a paisagem passando rápido; gostava de viagens assim, silenciosas, que pudesse ficar observando o cenário, e o cenário até a casa de Killua era fantástico, pois o caminho era por uma rodovia que parecia estar completamente isolada da humanidade, senão o asfalto no chão e algumas casinhas em uns morros na distância.
Todavia esse frio o moreno não soube dizer se era pelo clima cortante do outono ou pela álgida distância que o amigo parecia estar insistindo em manter de si desde que saíram da sala de aula mais cedo no dia.

Bem, Gon não tinha culpa, certo?
Killua tinha construído expectativas muito altas, decerto, por isso estava tão decepcionado consigo ㅡ ele deveria saber que o baque seria alto no instante em que terminaram a prova duas semanas atrás e tudo que Gon respondeu, quando questionado sobre seu desempenho, foi um tácito sorriso amarelo. Ele não tinha o direito de estar lhe fazendo se sentir daquele jeito, triste por conta de uma nota, ele não era sua mãe que podia lhe encarar com aquele olhar caído e falar, não nuncupativo (ao mesmo tempo que com todas as palavras do mundo), a clássica frase maternal de: "não estou irritado, só decepcionado."
Ok, Gon tinha um pouco de culpa.
Merecia estar olhando para as costas dele naquele momento, distante, tremulando pelo frio e ansiando esticar a mão na direção dele para que ele não se afastasse tanto assim.
Afinal, Killua tinha tentado lhe ensinar, e o rapaz praticamente jogou seus esforços em vão pelo simples fato de que achava seu amigo mil vezes mais interessante do que a matéria. E tudo isso a custo de quê? De um sorriso brincalhão quando ele percebia que estava sendo encarado, das bochechas vermelhas que pareciam destacar a cor anil das íris costumeiramente tão escuras?
Certo, ele era bonito.
Não era algo inovador: todos que tinham olhos podiam ver, Killua Zoldyck era estonteante.
Mas os atores dos doramas que via também eram, e isso nunca impediu que Gon prestasse atenção na história.