É algo que você se acostuma. Saber que é o lembrete constante de algo que ele não pode ter, saber que não importa quantas vezes ele olhe para o seu rosto ele sempre vai desejar ver outra pessoa, que só estava ali porque ele não podia ter ela, que quando ele a encarava de manhã esperava olhos verdes e cabelos ruivos e que os seus olhos castanhos e os cabelos escuros eram um lembrete de que ele perdeu alguém que amou profundamente — amou mais que qualquer outra coisa. Você simplesmente se acostuma a ser quem ele olha esperando o vestígio qualquer de outro rosto, conseguia ouvir a própria voz de anos atrás se repetindo na sua cabeça, com o tempo você se acostuma a ser uma decepção. E, de verdade, não importava mais, ela podia conviver perfeitamente com o lembrete diário de que uma substituta pálida da primeira esposa porque no final das contas o casamento dos dois parecia um trâmite igualitário, ele teria os filhos e uma mulher e ela teria casa e uma fortuna o suficiente para comprar cada morador daquela cidade, dinheiro o suficiente para apagar o passado e fingir que era alguém, parecia uma transição justa, cada um dava o que tinha. Era um acordo tácito, te dou um nome e prestígio e você me dá filhos e uma casa organizada, ninguém precisou verbalizar e eles não precisaram apertar as mãos no altar nem se amar desesperadamente quando fizeram isso.
É claro que com os anos aquilo foi se tornando um espinho debaixo do seu pé, quando pisava errado acabava lembrando e incomodava. Passar a sentir alguma coisa por ele foi um erro porque saber que era só uma substituta começou a doer mais do que deveria e a significar mais do que deveria. Os malditos sentimentos são assim, aparecem quando ninguém os quer, quando ninguém precisa, evisceram a alma, rasgam e ocupam espaço onde não deveriam e então sufocam.
Não escolheu amar Antônio e definitivamente não escolheu sentir que estava prestes a perdê-lo.
E odiava quando as coisas saiam do controle, odiava sentir que o mundo que mantinha sob controle estava escapando entre os dedos, escorrendo entre eles e fugindo, o dinheiro deveria comprar controle também, o controle das pessoas e do coração delas.
Aquela situação significava um punhado de coisas: acabaria perdendo o marido, Petra acabaria perdendo a sucessão, porque não havia a menor possibilidade do marido colocar o controle de tudo nas mãos da sua filha agora que sabia que o filho primogênito não era o assassino da sua felicidade e ela acabaria perdendo aquela casa e os trinta anos de empenho. Quando tudo acabasse, quando Antônio não estivesse mais aqui, o controle de tudo estaria nas mãos de Agatha e do filho, que passaria a ser uma marionete nas mãos da mãe, Petra não teria nada, nem uma posição ou um lugar naquela casa e isso... isso só aconteceria se Agatha garantisse que ela morresse primeiro. Petra era frágil demais para um mundo onde ela precisaria lutar para sobreviver, a vida não costumava ser gentil com garotinhas frágeis, sua filha acabaria se afundando no vício novamente. Ela evisceraria Agatha com as próprias mãos antes de deixar isso acontecer, antes de deixar que Caio casasse com aquela viúva e empurrasse nela o sobrenome La Selva e colocasse a prole da mulher que foi responsável pela morte do seu filho mais velho no controle daquela família. Petra teria um lugar naquela sucessão, seus netos e bisnetos e todos que viriam depois deles teriam o sobrenome La Selva e o controle daquela família porque ela se sacrificaria por isso se fosse necessário e se precisasse empurrar aquela mulher de volta para o caixão, ela faria.
Ouviu a voz de Luigi de longe, atrapalhando o silêncio da sala. Afastou o tablet quando o genro entrou pela sala, os mocassins que ele usava eram silenciosos mas Luigi era um italiano espalhafatoso, dava para ouvir ele a uma sala de distância.
— Podemos parlare?
— Algum problema com a Petra?
— No, no, — Luigi agitou as mãos como se estivesse tangendo suas preocupações — Petra sta bene. Quero parlare de 'otra cosa.
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wicked game - antorene
FanfictionIrene observa enquanto o casamento se desfaz após a volta de Agatha. Sabendo que o pedido de divórcio é só uma questão de tempo, ela tenta encontrar uma maneira de impedir.