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Ela lembrava vividamente uma vez de uma conversa com ele, no segundo ano de casamento, era sobre um homem desaparecido, um fazendeiro com quem ele vinha tendo problemas cada vez mais recorrentes, o homem desapareceu do dia para a noite, o corpo não foi encontrado e alguns sussurros começaram a se levantar pela cidade sobre como ele poderia ter alguma coisa a ver com aquilo, mesmo na época as pessoas não tinham coragem para falar em voz alta, mas acabou chegando aos ouvidos do delegado, ele acabou sendo chamado para depor, o homem tinha mais dignidade que Marino, o tipo que tenta ser justo e bom no seu serviço mesmo quando ninguém está interessado, ele se achava a exceção a regra, não tinha medo do Antônio La Selva e não se importava com a extensão do poder e da influencia que ele podia ter, ela particularmente sempre odiou quem acreditava que poderia sair ganhar coisa tentando ser honesto e fazendo um bom trabalho, era Brasil, era uma cidade minúscula onde as pessoas funcionavam através de dinheiro, achar que dignidade valia alguma coisa era assinar um atestado de estupidez, depois de um pequeno interrogatório de horas o delegado o liberou e uma semana depois foi realocado, transferido para uma cidade em outro estado. Ela perguntou se era uma boa ideia, se ele não tinha sido precipitado afastando o delegado, as acusações acabariam caindo no esquecimento de um jeito ou de outro, ninguém tinha provas de nada, nem o começo das investigações, ela perguntou se eles podiam transferir um delegado assim, de maneira tão fácil e simples. A resposta dele ficou com ela pelos anos seguintes: a gente pode fazer o que quiser, somos La Selva.

A sensação de ouvir isso era capaz de encher as veias vazias de qualquer um que nunca teve poder nas mãos. De repente ela tinha o controle de tudo porque ele lhe deu, ela poderia ser devota daquele homem pelo resto da vida por isso. As pessoas comentavam sobre os La Selva desde que ela trabalhava no bar, o sobrenome pairava no ar cheio de medo e acusação e uma sensação de poder que nenhum deles poderiam alcançar, alguns diziam com um certa estima, desde aquela época todos sabiam o que significava, os inimigos deles simplesmente desapareceram, ninguém nunca paga por nada. A sensação de impunidade irritava um ou outro, que insistiam em dizer que o que eles faziam não era aceitável, se esquecendo completamente de era o poder que ditava o que era aceitável, essas acusações e moradores irritados nunca foi nada que eles precisassem se preocupar, nada que uma boa surra e alguns ossos quebrados não resolvessem. Se valia de alguma coisa nem todos os boatos terríveis eram verdadeiros, alguns simplesmente se criavam, se espalhavam e até se tornar um problema de verdade — até chegar nos ouvidos de alguma autoridade que não estava na sua folha de pagamento mensal — ele nunca desmentiria, quando as pessoas acham que você é um monstro nem sempre é preciso fazer coisas monstruosas, o medo já as mantém sob controle.

Morar em uma cidade pequena como aquela e ter tanto dinheiro que poderia comprar cada morador — a honra, a lealdade e o medo deles — inspirava uma sensação que poderia ter controle do mundo, mesmo que fosse uma parte pequena dele, ter dinheiro permitia que pudesse sentir a vida das pessoas eram pequenas peças que podiam ser jogadas ao seu bel prazer, podia comprar suas casas, a lealdade frágil, suas vidas ridículas e pacatas, sempre a fez sentir como se estivesse no controle do mundo, com poder o suficiente para quebrá-lo e destruí-lo se fosse a sua vontade e se fosse sua vontade também poderia remontá-lo, costurar seus pedaços partidos e reconstruir uma nova noção de mundo para aquelas pessoas. Foi isso que ele deu a ele, essa sensação de controle que a fazia sentir que estaria abaixo apenas dele — o que não era exatamente verdade, Antônio podia ser controlado enquanto achasse que estava sob controle. Mas havia promessa entre eles, um dos muitos acordos silenciosos daquele casamento, ela poderia fazer o que quisesse, contanto que ele soubesse os seus movimentos, contanto que ele estivesse acima dela e ainda fosse a voz mais alta naquela casa, porque Antônio La Selva jamais perderia o controle sobre alguma coisa e jamais abriria mão da sua posição naquela hierarquia familiar, mesmo que fosse para sua esposa. Nova Primavera era sua, sempre pareceu um ato de amor, o delegado estava na sola do seu salto e o prefeito dentro da carteira no bolso de trás do seu marido, ela tinha o seu pequeno mundo e podia controlar ele, para quem nunca teve controle de nada desde que nasceu, nem do corpo nem das opiniões era o maior ato de amor que alguém poderia colocar nas suas mãos.

wicked game - antoreneOnde histórias criam vida. Descubra agora