4

755 50 41
                                    

Quando eles se conheceram eram dois descrentes. Quando eles se conheceram Antônio entrou no bar no meio da noite, eram duas da manhã e quase fim dos anos noventa, mesmo para uma cidade pequena Nova Primavera era incrivelmente animada, o bar — bordel — da Cândida era o único a quilômetros de distância e as cidades vizinhas apareciam para um copo de bebida e corpo quente e feminino, jogavam algumas notas de dinheiro em cima da mesa, bebiam até o corpo não parar em pé e puxavam algumas meninas para os quartos de cima. Antônio La Selva era no mínimo uma figura estranha sentada no canto, às vezes sozinho, a bebida nem era tão boa, Cândida tinha uma terrível predileção por músicas dos anos 70 — o que implicava em uma repetição noite após noite de Marvin Gaye, Elton John, Belchior e qualquer coisa que estivesse em alta na época —, a comida era terrível, o cozinheiro não fazia o menor esforço e a única coisa que valia a pena eram as meninas. Algumas noites, depois de muitos copos de bebida barata, ele deixava que as garotas sentassem no colo, oferecia dinheiro entre os decotes, aceitava petiscos e bebidas na boca e depois as dispensava, porque eram todas tão facilmente dispensáveis. Ela o observou de longe, a forma que ele rejeitava todas as que se aproximavam mas puxava pelas saias de cintura baixa e vestidos qualquer uma que estivesse interessado em outros homens ou distantes o suficiente para parecer que não estavam lhe dando atenção.

Ela sabia quem ele era porque todos sabiam, Antônio La Selva, ela ouviu comentários entre as mesas, ele havia conhecido a primeira esposa ali e pelo jeito que Candida falava eles deveriam ter canonizado a mulher e embalsamado o corpo. Antônio acreditava que todas eram vagabundas simples e compráveis, não tinha interesse de se deitar com nenhuma, mas gostava de tirar as garotas mais bonitas que estavam no colo dos outros homens simplesmente porque podia, as dispensava antes que elas pudessem pensar que iriam para cama, só o viu levar algumas meninas para o andar de cima, ele não era como o irmão mais novo, com quem ela deitou algumas vezes, enquanto Ademir impulsivamente escolhia qualquer uma, Antônio demorava para escolher alguém. E a diferença não era a única, ficava marcada à primeira vista, no momento em que os dois ficavam lado a lado, Ademir era bonito mas de maneira insossa, quieta, Antônio parecia querer marcar a sua presença de maneira brusca e brutal.

Antônio não acredita mais no amor e nunca acreditou nas mulheres, ele é definição de homem na mais pura forma, a explicação de Cândida quando uma das garotas perguntou sobre ele o definiu pelo resto da vida. Era engraçado porque ela pensava o mesmo, mas sobre o sexo oposto, o amor não fazia sentido e nunca acreditou nos homens e se um dia teve alguma esperança sobre eles, todas morreram quando entrou naquele lugar — ou talvez isso tenha vindo antes, quando o único homem que parecia confiavel a entregou para um desconhecido em troca de dinheiro. Os homens daquele lugar era tão patéticos, era mais simples pagar para transar com garotas aleatórias do que fato conhecer alguém, alguns traiam as esposas, voltavam bêbados para casa para fazer sabe-se lá o que, arrastavam as meninas como se elas fossem um pedaço de alguma coisa que eles poderiam descartar em qualquer lugar depois de se limparem, um ou outro falava delas com nojo durante o dia antes de abaixar as calças no quarto a noite, quando se esbarravam pelas calçadas eles puxavam as esposas e os filhos pelos braços fugindo como se elas tivessem uma doença infecciosa, como se nunca tivesse ofegado em cima de nenhuma delas.

Naquele lugar ela aprendeu a usar o pouco que tinha, um acordo com Cândida garantiu as duas dinheiro o suficiente para conviverem apesar de não se suportarem, ela escolheria com quem se deitar, não deixaria nenhum daqueles porcos imundos colocarem as mãos em cima dela, ela não ouviria ofertas sujas sussurradas por bebado qualquer depois de puxá-la pelo cinto e força-la no seu colo, as propostas seriam feitas diretamente a Cândida e no final da noite ela aceitaria a oferta mais alta. No começo Cândida achou ridículo, o deboche da cafetina lhe irritou, segundo a experiência de Cândida aquilo era uma péssima ideia e ela não deveria ser tão seletiva e tão cheia de empáfia porque esse orgulho vazio não encheria os bolsos e a barriga de nenhuma prostituta, precisava do dinheiro, em qualquer outro lugar precisaria trabalhar por moedas e pelo menos ali ganharia um pouco mais e segurança porque ela uma cafetina mas sempre protegeria as suas meninas. Demorou um pouco, dissuadir uma cafetina burra que tinha muito crédito em si mesma e nas próprias experiências levava o seu tempo, mas o lucros acabaram calando a tal experiência de anos de cafetinagem.

wicked game - antoreneOnde histórias criam vida. Descubra agora