Uma vez Ademir em um dos seus surtos de homem cheio de honra e dignidade perguntou como que ele era capaz de fazer isso — na época isso significava se livrar de um homem com quem ele estava tendo problemas recorrentemente. Ademir estava irritado, como se o problema fosse dele, ele conhecia o tal fazendeiro, um dos muitos amigos de copo que frequentavam o bar e que tinham a mesma perspectiva de vida medíocre que o seu irmão. Na verdade era bem fácil, queria ter dito mesmo quando se fez de desentendido, quando expressou uma indiferença e uma ingenuidade que os dois sabiam que era mentira, ele queria ter dito o quanto era fácil se livrar daquelas pessoas. Ademir não entendia e ele nunca esperou que o seu irmão medíocre entendesse alguma coisa, era por isso que Ademir continuava sendo a mesma pessoa, estagnado em uma posição confortável, o mesmo fazendeiro de uma fazenda simples com dinheiro suficiente apenas para se manter pelo resto da vida confortavelmente, uma vidinha medíocre e acomodada em uma casa medíocre com poeira crescendo aqui e ali e muito silêncio porque nem a própria esposa conseguiu conviver com a insignificância e a mediocridade dele. Seu irmão, seu filho e algumas pessoas realmente acreditavam que havia alguma chance de viver uma vida boa sem sujar as mãos e era por isso que não passavam de peças insignificantes, acreditar na bondade do mundo e que havia alguma chance de vencer sem ter sangue até os joelhos era no mínimo ridículo, era infantil, era uma perspectiva de quem acreditava que entre os justos sempre venciam, seu filho mais velho tinha essa ideia florida desde que era pequeno, acreditando que pessoas boas poderiam conseguir alguma coisa além de um tapa na cara se fossem justas com o mundo, era mais fácil conseguir o que queria tomando a força e se não podia comprar ou tomar, só era necessário saber onde cortar, ninguém lutava quando o sangue parava de correr nas veias e o corpo estava debaixo de sete palmos.
Eu não entendo você, os dois continuavam repetindo, como se fossem pai e filho, como se o DNA que corria no sangue dos dois fosse exatamente o mesmo, seu filho e seu irmão eram peças muito parecidas. Ademir tinha uma fagulha de ambição no olhar e um toque de inveja mas era incapaz de fazer algo para conseguir o que queria, sempre o detestou um pouco por isso, desde pequeno Ademir sempre foi o mais fraco, o que chorava quando queria alguma coisa ao invés de tomar a força.
Mas a resposta para a pergunta de Ademir era simplesmente mais fácil do que gostaria de admitir. A primeira morte pesava na consciência, é claro que pesava, apesar de não ter feito com as próprias mãos havia dado a ordem e em algum momento isso voltaria para assombrá-lo, um tipo de lembrança que surge na penumbra em um dia no qualquer no escritório, chegando de repente, mas depois disso ia ficando mais fácil, parecia controverso que quanto mais mortos menos fantasmas voltavam para assombrar, eles iam perdendo o rosto e o significado, o sangue que fervilhava de ansiedade esperando por uma resposta para saber se o trabalho havia sido executado corretamente começava a esfriar depois de alguns anos, ele começou a esquecer os nomes e começou a lembrar apenas dos problemas que eles causavam, isso tornava tudo mais fácil, uma questão de trabalho, quando os homens se tornavam peças e as pessoas se tornavam coisas que ele podia manusear nas mãos e quebrar quando era necessário, quando causavam problemas, era simples, ele só dava as ordens, sentava com o sangue frio sem qualquer ansiedade, porque mesmo se tudo desse errado ele não acabaria sendo responsabilizado por nada, e esperava. As pessoas que eram subtrações necessárias, era sempre eles ou eu, eles ou nós, eles ou os La Selva. Ele sempre foi um homem conversador, sempre prezou pela família, então era mais simples quando colocava assim: eles ou os La Selva, eles ou sua família. Era mais fácil direcionar a bala do seu capataz, era mais fácil quando a justificativa era que estava fazendo isso pelo bem da sua família. A partir do momento que começava a enxergar a vida deles como um risco a sua paz e aquela subtração como algo necessário, ele simplesmente... fazia.
Aline, no entanto, foi um erro. O único erro depois de anos, a única subtração que se tornou um problema que continuava se multiplicando. Ela deveria ter morrido, as coisas teriam sido mais fáceis se fosse assim, se Ramiro não fosse um inútil ela teria sido incinerada junto com o marido dentro daquela casa, o filho seria entregue a alguém, um abrigo qualquer onde a avó não teria acesso, crianças eram um risco em potencial, o mundo estava cheio dessas pessoas cheias de raiva que achavam que tinham o direito de se vingar por algo que ele fez e a última coisa que precisava era uma criança daqui alguns anos achando que era uma excelente ideia se vingar porque o papai e a mamãe tomaram uns tiros e foram incinerados quando ele era criança. Mas ela sobreviveu e continuou causando problemas.
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wicked game - antorene
FanfictionIrene observa enquanto o casamento se desfaz após a volta de Agatha. Sabendo que o pedido de divórcio é só uma questão de tempo, ela tenta encontrar uma maneira de impedir.