A rodoviária estava relativamente vazia. Ninguém viajava numa quarta-feira de maio. Que ironia! O mês que as pessoas consideram ser o mês dos casamentos foi o mês do meu divorcio. Conferi mais uma vez minha passagem; faltavam quarenta minutos. Parei em uma cafeteria e pedi um especial de morango com chocolate. Não estava muito bom, mas não podia esperar muito de uma cafeteria de rodoviária. Comprei alguns doces e esperei na plataforma.
Meu ônibus chegou. Estava indo embora para Milus. Uma cidadezinha no alto das montanhas. Bem diferente da cidade grande e movimentada onde eu vivia. Minha irmã mora lá com mais três de nossos amigos. Foi meio trágica a forma que os quatro se uniram no mesmo lugar.
Minha irmã se chama Ameline. Ela namorou por quatro anos um carinha. Eles iam se casar. Compraram as alianças e contrataram um buffet. Estava tudo praticamente pronto. Faltavam apenas quatro semanas para o casamento, até que o meu "ex-futuro cunhado" (nem sei se esse termo existe) confessou que – atenção! – era gay. Todos ficaram em choque, principalmente Ameline. Nem preciso dizer que ela ficou destruída. Eu, como irmã mais velha, tive a triste missão de avisar aos convidados que não haveria mais casamento e cancelar todos os serviços. A maioria dos fornecedores foram até benevolentes e devolveram o dinheiro, outros só devolveram metade. De qualquer forma, Ameline pegou esse dinheiro e disse que ia embora. Todos foram contra. Minha mãe e meu pai tentaram convencê-la a ficar. Eu não, eu conheço minha irmã o suficiente. Sabia que para ela ficar ali seria mais doloroso do que ir embora.
Ameline é uma ótima engenheira e trabalha com ações sociais. Não foi difícil encontrar uma ONG distante. Foi assim que ela descobriu Milus. Eu a acompanhei até a cidade. Ajudei a alugar uma casa e realizar a mudança. Tentamos devolver os presentes de casamento para os convidados, mas ninguém os queria. Foi uma forma de demonstrarem condolências a ela. E bem, foi assim que Ameline mobiliou a sua nova casa e se mudou.
Meses depois, nossa amiga Lorena levou uma surra do namorado. Foi a primeira e última vez. Ele foi preso (ainda bem). Eu fiquei com Lorena no hospital e a ajudei no processo de separação. O desgraçado não aceitou, mesmo depois do que fez com a minha amiga. Lorena tinha medo do que ele poderia fazer, mesmo estando na cadeia. Ameline arrumou uma solução. Então numa madrugada, meu ex-marido (na época ainda atual) e eu a despachamos no primeiro ônibus para Milus. Graças a Deus, o ex nunca soube onde ela estava. Foi triste o que aconteceu com Lorena, mas fiquei feliz que minha irmã agora tinha uma companhia.
E não parou por aí.
Nossa amiga Mercedes também sofreu uma tragédia envolvendo um homem. Ele era um dos poucos homens que eu gostava. Era um amor de pessoa, tratava Mercedes como uma rainha. Um exemplo de casal. Até que numa noite, ele voltava de suas entregas, quando um carro, um maldito carro surgiu do nada e o arremessou como se fosse uma bola de futebol. O motorista não sofreu ferimentos graves, mas o marido de Mercedes morreu na hora.
Minha amiga sofreu como nunca. Perdeu vinte quilos rápido. Ninguém conseguia consolá-la. Até o bebê que ela carregava morreu no quinto mês de gestação. Tudo piorou depois disso. Foi quando Ameline e Lorena deram a ideia de ela passar um período nas montanhas para tentar limpar um pouco sua mente. Merci aceitou a proposta e o que eram só algumas semanas virou meses. A última notícia que eu tive era que ela já tinha montado um negócio por lá e não tinha intenção nenhuma de voltar.
Nem só de desilusões amorosas esse casarão se preencheu. Temos a Lea. Nunca foi sua ideia inicial viver com a gente, mas depois que os pais a expulsaram de casa, ela não teve outra alternativa. Lea era nossa amiga rica com pais religiosos. Um dia, ela simplesmente decidiu que não queria mais seguir a vida religiosa que seus pais a obrigaram a seguir durante sua vida inteira. E foi assim que ela foi chutada para a rua. Além de expulsá-la, seus pais a deserdaram e pararam de pagar por sua faculdade. Lea só tinha sua camiseta amarrotada, um jeans e mais nada. Ela morou comigo por um tempo até Mercedes ligar oferecendo uma vaga de recepcionista no seu novo negócio. Lea aceitou e foi embora para Milus.
E agora era minha vez.
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Íntimo
RomanceMadalena, recém-divorciada e em busca de um novo começo, decide deixar para trás a agitação da cidade e se instalar na pacata Milus. Na companhia de seus amigos, ela inicia uma jornada de autodescoberta e superação das desilusões amorosas do passado...