Acordei mais cedo que o habitual. Não consegui dormir direito pensando na loja vazia. Encontrei Ameline sentada à mesa da cozinha de braços cruzados com uma cara de pouca amizade.
— Bom dia? — Cumprimentei com medo de levar uma mordida.
— Parece um bom dia para você? — Tomei minha mordida.
— O que há com você? — Sentei de frente para ela.
— Meu projeto de moradia foi paralisado até o governo liberar a verba. Agora a ONG me redirecionou para um abrigo de animais. Vou ter que cuidar de um monte de cachorros e gatos.
— E isso é ruim? — Cuidar de algumas pulgas me parecia bem melhor do que uma reunião de duas horas com um monte de homens.
— Eu sou engenheira civil, Madalena, não veterinária. — Ela conseguiu ficar mais emburrada ainda.
— Mas é temporário, não é?
— Sim, mas... mesmo assim... — Ela bufou. — Não estava nos meus projetos cuidar de animais. Não que eu não goste deles, mas queria mesmo trabalhar na construção das casas daquelas famílias pobres.
— Sei disso. — Levantei. — Sabe o que você está precisando? De um café amargo sem açúcar. — Peguei uma chaleira e enchi com água antes de colocá-la no fogão.
Tínhamos cafeteira, mas gostávamos de fazer o café à moda antiga.
Ouvi passos meio estranhos e olhei para a escada. Lorena descia com dificuldades apoiada no corrimão. Ela se arrastou até a mesa e sentou onde antes era meu lugar. Estava com uma cara horrível, mas não parecia tão brava como minha irmã.
— Bom dia! — Cumprimentei.
— É né. — Murmurou.
— Ah meu Deus! Mais uma mal-humorada. — Ergui os braços.
— Como você quer que eu fique? O bar estava lotado. Cheguei em casa às três da manhã só para descobrir que meu remédio tinha acabado. Não preguei os olhos e agora parece que um elefante passou por cima do meu corpo.
— Meu Deus! Que caras são essas? — Lea desceu as escadas. Ao contrário das meninas, ele não estava com cara de quem ia mudar de emprego ou que tivesse dormido mal.
— O remédio de Lorena acabou e a Ameline vai cuidar de cachorros.
— Isso é motivo para mau-humor? — Lea pegou uma xícara e parou na minha frente esperando que eu o servisse. Fiz careta para ele e enchi a xícara. Fiz o mesmo para minha irmã e ela bebeu um gole.
— O Cofi tem vários tipos de café, mas nenhum é tão bom quanto esse. — Ameline comentou com uma cara melhor. (Café alimenta almas).
— Porque esse café tem amor de irmã. – A abracei por trás e dei um beijo no topo da cabeça dela.
— Nossa! Que coisa mais gay! — Lea sentou a mesa e bebericou o dele.
— Vai querer também? — Perguntei a Lorena.
— Não. O que eu preciso é de algo que me faça dormir. — Ela esfregou as mãos no rosto.
— Se quiser eu bato com aquela frigideira na sua cabeça, tenho certeza de que vai apagar bem rapidinho. — Lea piscou para ela.
— Eu passo. De agressão já basta as que eu sofri do meu ex.
— Bleh! — Ele deu de ombros e encarou Ameline. — Não sei o porquê dessa cara feia. Eu mesmo lido muito melhor com animais do que com pessoas.
— Mas você lida muito bem com a gente. — Lorena observou.
— Porque vocês são as minhas cadelas. — Lea piscou para nós.
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Íntimo
RomansaMadalena, recém-divorciada e em busca de um novo começo, decide deixar para trás a agitação da cidade e se instalar na pacata Milus. Na companhia de seus amigos, ela inicia uma jornada de autodescoberta e superação das desilusões amorosas do passado...