Capítulo cinco

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Eu me lembro da partida deles para a Inglaterra, quando uma parte dos vikings seguiu Ragnar, e o único filho que escolheu acompanhá-lo foi Ivar. Minha visão se fixou em Ivar naquele momento, um jovem com uma muleta apoiada sob seu braço. Suas pernas estavam envoltas em uma armadura de ferro que as mantinham em uma posição estranha, forçando-o a depender da muleta para se locomover.

Eu observei enquanto eles se afastavam, o coração pesado com a incerteza do que o futuro reservava para eles naquela terra distante.  Enquanto a embarcação de Ragnar desaparecia no horizonte, uma sensação de inquietude pairou sobre mim, mas eu confiava nos deuses.

...

A vida na aldeia viking era sempre agitada, e naqueles dias, Florki tinha pegado várias encomendas para construir barcos. Isso era uma bênção para mim, pois significava que eu ganharia mais moedas por cada embarcação que ajudasse a construir. Como ajudante de Florki, eu passava a maior parte do meu tempo ao lado dele, martelando, esculpindo e montando os navios que seriam nossas ferramentas de exploração e conquista.

Enquanto trabalhávamos sob o sol brilhante, meu irmão estava sempre por perto. Ele não apenas me ajudava com as tarefas físicas, mas também tinha um jeito de encantar Florki com seu sorriso e suas histórias. À medida que os dias se transformavam em semanas, eu podia ver Florki criando um certo apego por Sigurd, como se ele fosse um filho para o velho construtor de barcos.

Trabalhamos incansavelmente durante todo o dia, mas apesar de nossos esforços, mal tínhamos completado metade do trabalho que precisávamos. O sol começava a se pôr, e a lua estava prestes a tomar o seu lugar no céu. Estávamos exaustos, mas sabíamos que não podíamos descansar até que nossa tarefa estivesse concluída. O peso do trabalho árduo se refletia em nossos ombros e músculos fatigados. Foi então que Florki, apareceu ao meu lado e me convidou para o jantar no grande salão.

- Você deveria vir conosco, Freyja, -  ele disse, com um sorriso amigável. - A comida está sempre deliciosa, e precisamos de um descanso.

Eu já havia estado lá algumas vezes antes, e a ideia de uma refeição quente e bebida à vontade era tentadora, para dizer o mínimo. A fome começava a se manifestar. Com um suspiro de alívio, resolvi aceitar o convite. Já era tarde, e o trabalho incessante havia drenado minha energia. Olhei para Florki, Helga e Sigurd, e assenti com gratidão.

- Está bem, - respondi com um sorriso, - uma pausa não vai fazer mal a ninguém.

Juntos, nós nos dirigimos ao grande salão, passando pelos corredores adornados com tapeçarias coloridas que contavam histórias de nossas conquistas passadas. O salão era uma visão majestosa, com longas mesas de madeira repletas de vikings famintos, risadas e conversas ecoando pelas paredes de pedra.

Encontramos um lugar vago em uma das mesas do grande salão, e Floki, sempre expansivo, logo se viu no meio de uma animada conversa com os vikings locais. Sigurd, cheio de energia veio até mim.

- posso brincar de luta com as outras crianças? Por favor?

- Claro, Sigurd, vá se divertir. Comporte-se e aproveite o banquete! - o pequeno foi correndo até as crianças, eles estavam brincando com espadas de madeira.

Helga tentou manter-me companhia, mas foi arrastada para uma conversa com um grupo de escudeiras que não tinha relação comigo. Decidi, então, concentrar-me na comida diante de mim, pois não dava para negar o sabor delicioso da refeição preparada para a rainha e seus filhos.

Conforme eu saboreava o festim, percebi que Helga estava ocupada com suas novas amigas e, por um momento, me senti um pouco solitária na grande celebração. Foi quando uma voz familiar surgiu ao meu lado.

Sigurd, com um sorriso travesso, voltou correndo da brincadeira com as outras crianças e se sentou ao meu lado.

- Freyja, você não se importaria de compartilhar um pouco de comida comigo, não é?

- Você sabe que sempre compartilho minha comida com você.

Passei-lhe um pedaço de carne e pão, e ele começou a devorá-los com entusiasmo. Enquanto ele comia, seu olhar curioso se fixou em alguns dos vikings ao redor.

- onde está a rainha? Ela é bonita como você? - Mesmo estando aqui a várias luas, Sigurd ainda não conseguiu ver a rainha.

- A rainha ainda não chegou, mas ela é uma mulher incrível. Quanto a ser bonita... Bem, a beleza está nos olhos de quem vê.

Ele  assentiu, satisfeito com minha explicação, e continuamos nossa refeição em silêncio, observando o movimento ao nosso redor.

Eu estava absorta em minhas reflexões, quando a grande porta do salão se abriu com um rangido, revelando a imponente figura da Rainha Aslaug. Ela entrou com uma dignidade majestosa, acompanhada por uma comitiva de servos que a ajudavam com seu vestido longo e elaborado. O salão ficou em silêncio enquanto todos os olhares se voltaram para a rainha.

A Rainha Aslaug era uma mulher de beleza inegável, com longos cabelos dourados que caíam em cachos ondulados sobre seus ombros. Seus olhos eram da cor de um céu azul profundo, e seu sorriso irradiava calor e autoridade. Ela exalava uma presença que comandava respeito, e todos no salão se curvaram diante dela, incluindo os filhos de Ragnar.

Sigurd observou a rainha com admiração, e eu sabia que ele também estava impressionado com a magnificência daquela figura real. Enquanto a Rainha Aslaug se aproximava, a atmosfera no salão parecia eletrizada.

A Rainha  passou pelo salão com uma graça impressionante, sua presença iluminando o ambiente ao seu redor. Enquanto ela se aproximava, eu me senti pequena e insignificante em comparação com sua grandeza. Ainda assim, uma pontada de curiosidade e admiração me impulsionava a observá-la com olhos atentos.

Eu nunca tivera a oportunidade de falar com a realeza, especialmente não com alguém tão imponente quanto a Rainha Aslaug. Meu coração batia um pouco mais rápido só de pensar na possibilidade de trocar palavras com ela. O que eu diria? Como poderia me aproximar dela sem parecer intrusiva ou inadequada?

Sigurd, ao meu lado, também estava em silêncio, seus olhos grandes e curiosos fixos na rainha. Ele parecia tão intrigado quanto eu, talvez até mais, pois ele era ainda mais jovem e impressionável.

A rainha se aproximou de nossa mesa, e eu me vi praticamente sem fôlego. Não era todo dia que se tinha a oportunidade de estar tão próxima de alguém tão importante. Eu sabia que precisava encontrar as palavras certas se fosse falar com ela, mas, por enquanto, apenas a observei em silêncio, maravilhada com sua presença e graça.

A Rainha  passou pela nossa mesa, sorrindo gentilmente para as pessoas enquanto se dirigia a outro ponto do grande salão. Seu sorriso irradiava uma aura de elegância e majestade, tornando difícil não ficar impressionada por sua presença.

Eu senti uma espécie de arrepio de excitação e ansiedade. A rainha estava tão próxima, e eu não sabia quando ou se teria outra oportunidade de interagir com alguém de tão alta linhagem.

Sigurd, sempre curioso, olhou para mim e sussurrou:

- Freyja, você viu a rainha? Ela é realmente linda.

Apesar da minha admiração silenciosa pela Rainha Aslaug, a noite estava longe de terminar. Conversas animadas e risadas enchiam o grande salão, e eu me sentia parte de algo maior, algo que ultrapassava as paredes da minha modesta cabana.

Sigurd voltou, exausto, após suas brincadeiras com as outras crianças. Seus olhos estavam brilhando de entusiasmo.

- Você não acredita no quanto me diverti! Lutamos e rimos muito! Eu contei uma história engraçada que todos adoraram.

Ver meu irmão, tão jovem, feliz e superando a perda de nossos pais me enchia de alegria. Embora saibamos que eles agora descansam em Valhala ao lado dos deuses, a saudade ainda aperta meu coração, pois eles não estão aqui para testemunhar o crescimento de Sigurd. No entanto, tenho a determinação de honrar a memória deles.

Se um dia a oportunidade surgir, irei ao campo de batalha para não apenas homenagear meus pais, mas também para fazer jus à bravura de nossos ancestrais e aos deuses que continuam a nos abençoar. Sigurd e eu carregamos o fogo dos que vieram antes de nós, e é nosso dever manter a chama viva.

Trovão de Sangue: Ivar o DesossadoOnde histórias criam vida. Descubra agora