Um

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Yeh Shuhua estava no fim de sua paciência.

Ela nunca conseguiria entender o porquê de sua professora, Cho Jihye, odiá-la tanto. Claro, havia o fato de que era uma estrangeira, lésbica assumida sem nenhum receio, usava um piercing prata brilhante na sobrancelha, tinha a lateral do cabelo raspado — que uma parte do cabelo tampava — e era ateia. Enquanto Jihye era uma típica mulher coreana conservadora, católica e que "preservava os bons costumes".

— Yeh Shuhua, se você estiver incomodada com o que eu falo, é só sair da minha aula.

— Senhora Cho, não vou mudar minha opinião, você está me ofendendo! — Shuhua exclama um pouco mais alto do que planejava. Os olhares dos alunos parecem voltar mais ainda para sua face.

A senhora mais velha solta uma risada sem graça.

— Eu falei a verdade. Você não pode e nunca deve falar isso sobre minha religião principalmente na minha aula.

Os dentes de Shuhua se trincam. Seu rosto estava coberto por uma coloração vermelha. Mais uma mínima faísca e explodiria.

— A única coisa que falei é que o Cristianismo matou milhões de pessoas em todo o mundo, inclusive pessoas como eu, o que faz ser natural que nos afastemos da religião. — A sobrancelha de Shuhua estava tão franzida que conseguia sentir o gelado do piercing em contato direto com a pele.

Shuhua estava acostumada com o olhar julgador de Jihye em si em tudo que fazia: em suas blusas às vezes largas, quando raspou a lateral do cabelo, quando namorou Hwang Yeji no primeiro ano, quando falou de seu interesse por religiões de matriz africana e de seu país de origem. Tudo que Shuhua fazia irritava pessoas conservadoras, e já havia se acostumado com isso. Mas ter que conviver com uma todo dia, ainda por cima em aulas de matemática, era algo quase que impossível.

— Pessoas como você odeiam Deus por serem rebeldes.

Shuhua abriu a boca em descrença, seu sangue subindo pela cabeça.

— Eu não odeio Deus. Eu só não acredito nele, não posso mais?

A mulher estreitou os olhos.

— Não. Deus odeia sapatonas.

Shuhua bateu a mão na mesa com toda a raiva que prosperava em seu ser, a sala de aula parecendo tremer. Algumas pessoas a olharam torto, outras com medo e outras com admiração.

— Saí da minha sala, agora! — A senhora Cho gritou, seu rosto emanando tanta raiva quando Shuhua.

Shuhua colocou a mão na testa, respirando fundo. Pegou sua mochila e a colocou no ombro esquerdo, lançando dedo do meio antes de sair da sala em passos firmes.

— Professora de merda — xingou em mandarim no meio do corredor enquanto bufava.

Não demorou muito para que descesse as escadas, dois degraus de cada vez.

Era claro que Cho Jihye sempre seria assim: amarga e preconceituosa. O que deveria se esperar de pessoas mais velhas que moravam em um país que ao menos aceitava que casais homoafetivos se casassem? Mas não era justo. Nunca seria. Ela a odiava por Shuhua ser quem era.

Shuhua jogou a mochila no chão do banheiro como se fosse uma praga. Ligou a torneira velha e lavou seu rosto com a água gelada, sentindo seus músculos faciais que antes doíam finalmente se relaxando. Ela se olhou no espelho, escarando os próprios olhos negros, a cor deles a fez lembrar de uma coisa.

E essa coisa era Cho Miyeon, a filha de Jihye. Se era difícil para Shuhua, imagine para Miyeon.

A taiwanesa seguiu em direção à mochila novamente e ligou o celular, uma notificação costumeira de todo o dia chamando sua atenção.

Rebelde | Mishu Onde histórias criam vida. Descubra agora