Quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

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AVISTEI STUART NA HIGH STREET, TODO torto tentando carregar umas sacolas de compra com um braço só, a outra manga do casaco pendendo vazia do outro lado. Ele estava de costas para mim, seguindo na direção da Talbot Street, e avançava lentamente.

Eu deveria ter ido atrás dele na mesma hora, oferecido uma ajuda e desfrutado de sua companhia pelos cem metros restantes até chegar em casa.

Obviamente, não fiz nada disso. Optei por me esconder sorrateiramente no recuo da entrada de um salão de beleza por alguns minutos, depois fingi apreciar a vitrine de uma livraria, mantendo a cabeça baixa até que ele dobrasse a esquina e sumisse de vista.

O problema não era só a vergonha de ter berrado feito louca só porque tinha acordado no seu sofá. Quanto mais eu pensava nisso, pior me parecia. Stuart era um profissional de saúde, um doutor em saúde mental ainda por cima.
Ele representava tudo e todos que eu passara os últimos três anos tentando evitar. Ele tinha cheiro de hospital e emanava autoridade como se fosse uma fragrância: pessoas que dizem o que os outros devem fazer, que os diagnosticam, prescrevem remédios, tomam decisões pelos outros, conduzindo a vida alheia por um caminho que podem controlar.

Arrisquei uma olhada para a direita, procurando-o em meio ao monte de gente vestida com enormes agasalhos e carros, ônibus.

- Achei que tinha visto você. Como vai?

Virei-me bruscamente para o lado esquerdo e o vi diante de mim, agora com mais uma sacola além das que ele já estava carregando antes.

- Vou bem, obrigada. Caramba, isso parece pesado

. - Só um pouquinho.

Ele provavelmente seguira em outra direção enquanto eu não estava olhando e entrara na farmácia da esquina. Hesitei por um instante, sabendo que não poderia simplesmente deixá-lo carregar aquelas sacolas sozinho até em casa e me dando conta de que isso significava que eu não poderia fazer meu caminho habitual de volta, passando pelo beco atrás do prédio.

- Está indo na mesma direção que eu? - perguntou ele, sorrindo.

Eu me senti irracionalmente mal-humorada, sobretudo pela minha patética tentativa de evitá-lo e pelo fato de eu não ter entrado em uma livraria e me escondido direito.
Considerei a possibilidade de dizer que não, dar a desculpa de que estava indo me encontrar com alguém, mas às vezes era mais simples capitular.

- Deixe que eu carrego isso para você - falei quando nos pusemos a caminhar.

- Não precisa - resistiu ele.

- Pelo menos algumas, então.

-Tudo bem. Obrigado.

Ele então me entregou duas das sacolas mais leves e continuamos andando.

- E o seu ombro?

- Hoje está um pouco melhor, eu acho. Mais tarde deve voltar a doer mais. Saí só para comprar leite.

Seguimos caminhando silenciosamente por alguns minutos. Eu estava nervosa, como se quisesse sair correndo de repente. Ele mantinha uma distância respeitosa de mim, tanto que algumas pessoas que vinham na nossa direção acabavam passando entre nós dois.
Eu me perguntei se ele estava tendo dificuldade em acompanhar meu ritmo.

- Sua consulta está marcada para amanhã, não é? - perguntou ele enfim.

Diminuí um pouco o ritmo, para que ele me alcançasse. Eu não estava a fim de conversar sobre isso no meio da High Street.
- É. Amanhã.

- E você está tranquila quanto a isso?

- Acho que sim.

Atravessamos a rua e entramos na Talbot Street. Havia menos gente ali, e a calçada era mais estreita.

- Desculpe se a assustei aquele dia. Eu deveria ter acordado você, eu acho.

- Eu é que não deveria ter pegado no sono. Não se preocupe, não vai acontecer novamente.

Senti seu olhar em mim, mas mantive os olhos à frente.

- Sei que não deve ser fácil para você - disse ele. Foi a gota-d'água. Eu me virei e o encarei, e nisso as sacolas balançaram bruscamente, batendo nas minhas pernas.

- Não, Stuart, você não sabe de nada - retruquei. - Não faz ideia. Você acha que sabe de tudo só porque espia todo dia dentro da cabeça das pessoas. Pois então. Você não sabe nada do que se passa dentro da minha.

Pode ser muito bem que ele estivesse acostumado a reações destemperadas assim, acostumado a ser desafiado, mas talvez não na calçada em frente ao seu prédio. Ele parecia perplexo, e por instantes tive a impressão de que lhe faltavam palavras, então aproveitei a oportunidade:

- Até logo - falei, colocando as sacolas no chão. Ele teria de carregá-las sozinho até em cima.

- Aonde você vai?

- Não faço ideia - respondi, já me afastando. - Só não estou a fim de voltar para casa ainda.

Ouvi quando ele abriu e depois bateu a porta, e só então olhei para trás. Ele tinha entrado.

Eu estava quase alcançando o beco, e durante alguns instantes pensei em ir até lá e verificar se estava tudo bem em casa, mas estava com muita raiva. Sentia-me agitada, meus nervos tensos como um elástico esticado ao máximo.

No escuroOnde histórias criam vida. Descubra agora