Eles estavam separados. Separados de corpo. Separados de alma. Mas, ainda, não estavam separados no papel.
Tudo começou quando ela se cansou de se humilhar para ter uma migalha de amor, enquanto Agatha o tinha aos seus pés sem fazer absolutamente nada.
Em um surto de consciência e amor próprio, decidiu ir embora. Sabia que doeria, só não imaginou que fosse tanto. Doeu enquanto colocava cada peça de roupa na mala. Doeu enquanto colocava cada pote de creme. Doeu enquanto colocava cada vidro de perfume. Doeu enquanto colocava cada jóia que ele havia lhe dado. Doeu sair daquele quarto que por tanto tempo havia sido palco de quentes loucuras. Doeu sair daquela casa que sempre fora seu lar, desde o primeiro momento que havia deitado seus olhos sobre a mesma. E então ela foi embora, com os gritos de Petra implorando para que ficasse. Com o olhar alegre de Angelina. Foi embora, sem saber o que Antônio estava sentindo naquele momento.
Fazia um mês que estava na pousada, e só sairia de lá quando encontrasse um apartamento que gostasse, mas enquanto isso não acontecia, aproveitava a boa companhia que Vinícius lhe proporcionava.
E se alguém lhe dissesse a alguns dias atrás, que teria Antônio La-Selva correndo atrás de si, ela provavelmente teria xingado o indivíduo de todas as ofensas possíveis. Mas o destino costuma pregar peças e nos colocar nas situações mais surpreendentes possíveis, principalmente quando se trata de um certo bruto que usa botinas sujas de barro.
Era um sábado, estava fazendo as unhas quando um Kelvin entrou no salão a sua procura.
- Imperatriz do soja - ele se agachou ao lado da cadeira em que estava.
- Kelvin? Olá - deu um meio sorriso ao ver o rapaz.
- Vim convida-la pessoalmente para prestigiar o show que irei fazer hoje, lá no bar - ele entregou um dos folhetos que estavam por toda a cidade. - Sua presença me deixaria muito feliz.
- Ah, querido - sorriu com pena. - Agradeço o convite, mas infelizmente não poderei comparecer - não estava a fim de encontrar Antônio e Agatha, e tinha certeza que eles provavelmente estariam lá. Notou o mais novo abaixar a cabeça triste. - Mas tenho certeza que será incrível, assim como no último que fui. Você tem muito talento.
- A senhora acha?
- Tenho certeza. Agora, vá se preparar. Depois quero vídeos.
- Muito obrigadao - ele se levantou com um sorriso largo. - Espero que vá no próximo.
- Irei sim - sorriu e logo o rapaz se despediu.
Assim que saiu do salão, optou por ir para a pousada descansar um pouco. Adentrou o quarto, largou a bolsa sobre a poltrona e se jogou sobre a cama, sem se importar em tirar os calçados. Encarando o teto ela se lembrava do convite de Kelvin. Queria ir, adorava shows, mas sua vontade simplesmente diminuía ao se lembrar das pessoas que teria que encontrar. Seu estômago enjoava apenas em pensar que provavelmente veria Antônio e Agatha juntos. Respirou fundo e fechou os olhos. Se continuasse a pensar nas pessoas que não queria ver, não sairia daquela pousada nunca mais. Abriu os olhos e se sentou na cama, pegando o celular e entrando no Instagram, a primeira postagem era um anúncio do show no bar. Ponderou por mais alguns minutos e chegou a uma conclusão, iria sim prestigiar o moço que tinha apreço sem saber por qual motivo exatamente, e que Antônio e Agatha explodissem. Não iria se privar do que gostava por outras pessoas, muito menos por eles.
O show começava as nove, e ainda eram 15:43, optou por tirar um cochilo de uma hora e meia para estar sem olheiras e por volta das 17:30 se dirigiu ao banheiro. Adentrando o box, ela ligou o chuveiro e deixou a água quente descer por suas costas. Por alguns segundos a coragem repentina que tinha tomado conta de si quando havia tomado a decisão tinha sumido. Já não tinha tanta certeza assim se ir naquele show era o certo a se fazer. Já não tinha tanta certeza se aguentaria ver os dois juntos. Já não tinha tanta certeza se aguentaria ver Antônio de novo, já que não o havia visto novamente desde que saira da mansão dos La-Selva. Não saberia dizer quanto tempo ficou no banho, pois quando deu por si estava em frente ao espelho encarando seu próprio reflexo. Ouviu o celular apitar, se dirigiu até o mesmo e leu a mensagem de Vinícius pela barra de notificação.Te espero as 20:00 para o show. Beijos.
Ele não sabia se ela iria, mas ela ficou sabendo depois daquela mensagem. Respondeu confirmando e se dirigiu ao closet. É, a coragem repentina havia voltado. Estava a uns quinze minutos passando a mão por seus cabides, indecisa sobre qual vestido escolher. Encarou as mãos e notou que as unhas estavam pintadas de vermelho, em seguida se recordou de um vestido que havia comprado mas nunca usado, talvez fosse o momento de finalmente vesti-lo. Abriu uma segunda porta e logo deitou o olhar sobre a peça, pegou o cabide e se dirigiu ao quarto, esticando a roupa sobre a cama. O vestido era vermelho, de crepe de seda, com mangas longas, decote em v, aberto nas costas e saia fluida. Sorriu ao perceber que havia escolhido e se dirigiu a penteadeira para fazer um penteado e uma maquiagem básica. Terminou de fazer um semi-preso na lateral e deixou o restante solto apenas solto com cachos realizados anteriormente no babyliss. Pegou a maleta de maquiagem e iniciou a mesma, depois de um tempo se dirigiu a sapateira e pegou um salto quinze nude, rezando para que ainda se lembrasse de como andar com aquilo sem cair. Voltou para o espelho e sorriu ao olhar sua imagem, realmente estava vestida para matar. Olhou para o relógio, eram 19:45, passou o perfume mais marcante que tinha "Queen of seduction", e pegou uma cluctch da mesma cor do sapato.
Eram exatamente 20:00 quando Vinícius bateu na porta e ela se dirigiu a mesma para atender.
- Boa noite - ela cumprimentou, e riu ao notar o geólogo com a boca aberta enquanto a encarava de cima a baixo.
- Ó...Ótima noite - ele sorriu para a mulher. - Estamos indo para um showzinho em bar de cidade interiorana, sabia?
- Sabia - deu um meio sorriso. - Por que?
- Está tão linda que poderia estar indo para um casamento, por isso.
- Você e seus galanteios - riu com vergonha. - Agora, vamos que já passou da hora.
- Senhorita - ofereceu-lhe o braço.
- Senhor - aceitou.
O clima até o local foi agradável e ela respirou fundo quando Vinícius lhe estendeu a mão depois de abrir a porta do carro para si.
- Vamos? - perguntou após alguns segundos.
- Claro - sorriu de lábios fechados e colocou sua mão sobre a dele.
Não é exagero dizer que todos os olhares se voltaram para ela quando a mesma atravessou as portas do ambiente. O andar imponente acompanhado da fluidez do vestido, e um sorriso, fazia com que Irene se tornasse uma verdadeira visão dos Deuses.
- Vai precisar tomar água de tanto que te secaram - Vinícius sussurrou em seu ouvido a fazendo rir.
- Mãe! - ouviu o grito animado e em seguida dois braços circularem seu corpo fortemente.
- Petra... - saiu como um sussurro baixo, enquanto alisava o cabelo da mais nova, faziam dias que não se viam. - Como está, meu anjo? - perguntou após se afastarem.
- Muito melhor agora - sorriu para Irene. - Mas... Quando vai voltar para casa?
- Filha... Não vamos entrar nessa conversa de novo. Você sabe muito bem que aquela casa não me pertence mais.
- Mas...
- Vamos falar disso depois do show, está bem?
- Tá bom - confiou nas palavras da mãe e saiu em direção a Hélio.
Irene seguiu a agrônoma com o olhar, e quase instantaneamente o mesmo cruzou com o de Antônio fazendo um arrepio subir por sua espinha, logo Vinícius se aproximou novamente da mais velha.
O patriarca dos La-Selva havia parado de escutar qualquer coisa que Ágatha falava desde o momento em que viu a mãe de dois dos seus filhos adentrar o bar com os braços entrelaçados no daquele geólogo. Desde aquele instante tudo parecia ter simplesmente sumido, e apenas ela existia. Ela naquele maldito vestido que a deixa ainda mais linda. Ela com aquele maldito sorriso que deixava suas covinhas a mostra. Ela com aquele maldito perfume que inebriava o espaço inteiro. Ela com os braços entrelaçados nos braços de outro homem. Ela rindo do que outro homem dizia. Ela.
Os dois só pareceram perceber que estavam em um lugar público quando Berenice começou a falar em cima do palco.
- Peço desculpas pelo atraso, tivemos alguns imprevistos, mas o show começará em 5 minutos - a voz feminina invadiu o ambiente, tirando os dois da conversa silenciosa que trocavam pelo olhar.
Foram os cinco minutos mais longos da vida de Antônio. Depois que o contato visual fora quebrado por parte dela, ele permaneceu a encarando, e por vezes reparou que ela lançava-lhe olhares repentinos. Era estranho. Estranhamente ruim vê-la acompanhada por um homem que não fosse ele. Mas não poderia culpa-la, se hoje ela estava "solteira", era por culpa dele.
- Estou começando a achar que iria preferir estar com ela, já que desde que chegou, você não para de olha-la - Agatha comentou com uma cara de poucos amigos.
- Não diga besteiras - falou com certo desdém. - O show já vai começar - disse quando viu Kelvin subindo ao palco.
Lançou um último olhar a mãe de Petra e decidiu prestar atenção no show, circulou a cintura da primeira esposa que sorriu satisfeita e a voz do cantor invadiu o bar.
Não saberia dizer quantas músicas Kelvin já havia contado. Não saberia dizer quantas caipirinhas já tinha tomado. Mas saberia dizer quantas vezes já tinha flagrado os olhares de Antônio sobre si, e não foram poucas.
- Me concederia a honra de uma dança? - Vinícius lhe estendeu a mão.
- Aqui?
- Aonde mais?
- Não sei se é uma boa ideia.
- Por causa dele? - apontou em direção a Antônio, que naquele momento dançava com Agatha.
Ela ficou calada.
- Desde quando você depende da opinião dos outros?
Ela olhou novamente para a mão estendida. Ele tinha razão. Adorava dançar e era isso que faria naquela noite, independente de ser com Vinícius ou com outro homem, mesmo que internamente quisesse que fosse com o dono das terras.
Os primeiros acordes da música foram tocados enquanto Irene e Vinícius se dirigiam a pista de dança.
