Capítulo Vinte e Um

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O apartamento de Mina estava quieto
de um jeito que não tinha nada a ver com barulho.

Ela sempre gostara do fato de que seus vizinhos eram respeitosos e que os barulhos do trânsito nunca perturbavam seu bairro calmo, enfiado bem no centro da cidade. Aquilo ali era diferente. Pela primeira vez o som mais alto em seu apartamento era o dos batimentos persistentes de seu coração.

Ela segurou a xícara de café junto ao peito e girou num círculo lento. Talvez o som mais alto não fosse o dos batimentos, mas o dos ecos de Momo que ainda estavam na cozinha e no sofá, no chão, nas prateleiras, na árvore de Natal ao lado da janela. O murmúrio curioso que Momo fizera ao deslizar os dedos pelas lombadas dos livros de Mina. O tilintar gostoso da sua risada na cozinha quando ela enfiara o dedo na massa de panqueca para sujar o rosto de Mina. Como aquela gargalhada se tornara, então, o gemido mais lindo, que resultara em panquecas queimadas, um alarme de incêndio estridente, sorrisos envergonhados e Mina cochichando “que se dane” no pescoço de Momo.

Quanto mais tempo ela ficava ali analisando o apartamento, menos silencioso ele parecia.

Como que Mina se livraria de um eco? Queimando um incenso? Até aquela solução soava como algo que Momo diria, e ela teria adorado ver a reação no rosto de Mina ao oferecê-la.

Mina olhou feio para a estante de livros e mordeu a pele da bochecha. Não, ela faria as coisas do jeito dela. Apagar todos os vestígios de Momo seria seu primeiro passo, um passo sensato. Ela limparia o apartamento do chão até o teto, se armaria de água sanitária e depois cobriria o vazio com móveis novos, se fosse preciso.

Apagaria todos os vestígios.

Mina respirou fundo e pôs a xícara de café sobre a mesa. Ela conseguiria.

Os livros estavam organizados em ordem alfabética, de acordo com o sobrenome dos autores. Uma hora depois, estavam em ordem alfabética de acordo com o título, alinhados direitinho numa fileira, com exceção de um, que se projetava mais à frente que os outros. Mina se certificara daquilo, pegara uma porcaria de régua para se certificar. Momo podia até ter tocado naquelas lombadas, mas não naquela ordem. E ela nunca mais tocaria nelas. Mina fez que sim com a cabeça.

Não fique pensando nisso.

Em seguida, ela levou a caixa de rosé até a pia e abriu a tampa, deixando o vinho cor-de-rosa escorrer pelo ralo. O plástico interno da caixa foi direto para o lixo e a caixa para a reciclagem. Com a cozinha de volta ao normal, Mina voltou à sala de estar, riscando mentalmente os itens de sua lista de afazeres, fazendo uma faxina geral.

Ela se ajoelhou e pegou a caneta em gel que rolara para debaixo do rack da TV. castanho claro. Mina franziu a testa para a caneta. Seu tom chegava bem perto dos olhos de Momo.

Não fique pensando nisso.

Mina, então, encarou a árvore, seu peito ardendo. Não conseguia desmontá-la, ainda não. Apenas tentaria não olhar naquela direção. O Natal já era no dia seguinte, de qualquer forma, e ela a desmontaria logo em seguida.

Não fique pensando nisso.

Foi até o quarto. Sua cama estava coberta por lençóis branquíssimos e um edredom combinando. Nenhum descuido, exceto pelo caderno de capa estampada, cheio de fatos sobre Momo, em cima da mesinha de cabeceira. Data de nascimento. Sabor preferido de ursinhos de gelatina. Todos os planetas… posicionamentos… casas… algo do tipo. Momo resumida. Mina passou a mão pela capa, roçando o polegar pelas páginas abaixo.

Não era verdade. Porque Momo não podia ser contida em páginas, limitada a um pedaço de papel. Ela era uma força da natureza. Só que aquelas páginas continham uma impressão, o mais próximo que Mina jamais teria dela novamente.

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