Parte I - Capítulo 1 - Azrael

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1

A fumaça do cigarro eletrônico de Azrael flutuou no ar por alguns instantes e então desapareceu entre toda a neblina da manhã. Apesar dele ter motivos para acreditar que aquilo não era apenas neblina: já não se via um ar puro há muitos séculos. Mesmo com os grandes filtros de ar espalhados pela cidade, havia sempre aquele leve cheiro de poluição no ar. Claro, àquela altura da vida ele já havia se acostumado com o "cheiro do mundo", mas, sabia que havia algo diferente quando esteve em uma Vila. Ali o ar tinha outro cheiro, mas não era um ar que ele fosse digno de respirar, pois, apesar de tudo, ele sabia muito bem qual era o seu lugar.

Azrael não era nada além de um sujeito comum, na casa dos trinta. Tinha pouco mais de 1,80m e sua pele era escura, usava o cabelo curto em estilo militar, e tinha sobrancelhas e lábios grossos, não usava barba e nem tinha marcas no rosto, ao menos não mais. Havia passado muito tempo com uma aparência horrível e desgrenhada e não queria voltar a se parecer com aquilo nunca mais.

Tragou outra vez o cigarro e expeliu a fumaça novamente. Ele gostaria de poder fumar tabaco de verdade outra vez, mas aquilo era algo que não existia mais. Havia experimentado apenas uma única vez quando era adolescente e seu avô o havia dado um. Era um pedaço de papel bem fino, e o cigarro era enrolado a mão, seu avô o havia recheado com tabaco muito antigo, dos tempos em que as coisas ainda eram plantadas por qualquer um que quisesse, mas que, apesar da idade, ainda era muito bom.

Mesmo tendo se passado tanto tempo, ele ainda conseguia se lembrar do sabor que tinha, era uma daquelas coisas impossíveis de se esquecer, não importava quando tempo se passasse. Ele havia gostado do tabaco, tinha sabor. Era completamente diferente daquelas porcarias eletrônicas vendidas atualmente. Mas, ele queria fumar, um hábito obtido na adolescência, terrível, mas ao qual ele não conseguia se desapegar, e os eletrônicos eram tudo que ele tinha.

Eram umas coisinhas pequenas, quase do mesmo tamanho que o dedo mindinho dele e bem finos. Haviam diversos modelos, mas Azrael gostava daquele, pois lembrava o cigarro que seu avô lhe havia dado. Dentro, usava uma essência comprada no mercado e cada uma com um sabor diferente. Os jovens gostavam das coisas coloridas e doces, mas Azrael preferia a essência de café, era forte e amarga e deixava um cheiro peculiar nele, ao qual ele não sabia descrever exatamente, mas, uma garota uma vez havia lhe dito que era como "terra molhada", embora ele não conseguisse descrever tal odor: não existia terra na cidade, ao menos não terra como aquela garota estava acostumada. Todo o chão da cidade era de concreto, e embaixo dela só havia o Esgoto.

2

O sol ainda estava escondido por entre as nuvens formadas pela fumaça esbranquiçada saída das milhares de fábricas da Future, mas ele precisava partir. Tampou uma das pontas do cigarro e guardou no bolso direito do sobretudo que estava vestindo. Era uma peça já bastante velha e que o acompanhava há uns oito anos, no mínimo. Não havia comprado aquela peça, tinha roubado de alguma pessoa qualquer quando ainda morava na rua. Era nova quando ele a encontrou, mas agora já estava bem gasta. Ainda assim, era uma peça da qual Azrael não conseguia se livrar, tinha um peso grande para ele, uma memória do que ele havia sido e de tudo o que não queria voltar a viver.

Apesar de todos os avanços do mundo, ainda existiam moradores de rua. Eles eram raros, claro, e você jamais veria um morador de rua andando pelas partes mais bem policiadas da cidade. O governo, junto com a Future, claro, costumava ajudar aquelas pessoas lhes oferecendo auxílios em dinheiro, cursos profissionalizantes, emprego e moradias, tudo isso claro, deveria ser devolvido depois que a pessoa já estivesse bem estabelecida. Mas sempre tinha gente demais e alguns sempre ficavam de fora das listas deles. Azrael nunca foi contemplado, e pensando consigo mesmo, havia sido melhor daquela forma. Se tivesse sido escolhido pela Future para ter uma casa e todo o resto, ele jamais teria chegado onde estava, por mais que não fosse um estilo de vida que lhe desse orgulho: ele fazia o que tinha que fazer, e, se ele não fizesse, outra pessoa tomaria seu lugar e poderia fazer de formas bem piores e brutais.

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