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Seu marido, Marius, já havia saído de casa quando ela se levantou; ele estava sempre tão cheio de coisas da corporativa para fazer que às vezes Cami se sentia deixada de lado. Eram recém-casados e Cami não se lembrava de ter tido mais do que algumas poucas horas com o marido. Tudo bem que eles não se viam sempre durante a época do namoro, mas, ela havia pensado que aquilo mudaria quando passassem a viver sob o mesmo teto.
Contudo, ela se enganou. Marius passava a maior parte do tempo fora de casa e quando estava em casa se trancava no escritório. Ela não tinha a menor ideia do que ele fazia trancado lá dentro por tantas horas seguidas. Poderia entrar, claro, mas não queria perturbá-lo. Assim, acabava passando uma grande parte do seu tempo sozinha.
Quando ela se levantou, a empregada estava terminando de colocar o café-da-manhã na mesa. Era bastante farto, embora aquela refeição fosse apenas para uma. Ela ainda não havia se acostumado completamente àquela comida. Cami usava um robe de seda azul claro e pantufas brancas nos pés, seus cabelos eram escuros e encaracolados e a pele bronzeada, ambos herança da mãe; seus lábios eram carnudos e bem desenhados, além disso, tinha os olhos dourados do pai. O corpo era cheio de curvas bem distribuídas nos seus 1,65.
A casa, como sempre, já estava impecavelmente limpa e ela não teria nada com o que se preocupar além de terminar o livro que havia começado no dia anterior. Desde que havia se casado, Cami havia deixado de trabalhar numa subdivisão da Future e passou a se dedicar exclusivamente à casa e ao marido.
Não era bem o que ela havia planejado, mas, a chance de se tornar alguém da elite simplesmente não poderia ser deixada de lado. Ela pensou em continuar trabalhando, ainda pensava naquilo às vezes, contudo, vendo a vida das outras mulheres da elite conseguia notar alguns costumes e tradições que pareciam quase sagrados e ela estava vindo de fora, era uma estranha para os outros, sendo assim, tudo o que ela menos queria era parecer ingrata pela chance que havia recebido e pela vida que estava levando. Sentia-se obrigada a agir como as outras mulheres pois queria se encaixar ali, mostrar que era uma delas e não apenas mais uma aproveitadora, como tantas outras haviam sido antes dela.
Para ela, uma das maiores diferenças entre sua vida de antes e a de agora era a comida. Ela havia crescido com a comida desidratada da linha VIP de alimentos da Future, bem verdade, o que era muito mais do que a grande maioria da população tinha ou sequer sonhava ter, e mesmo com os aromatizantes artificiais e toda a tecnologia envolvida no processo, nada se comparava a uma boa e velha comida orgânica, ou ao menos era o que dizia Marius. Cami ainda não era totalmente fã da comida orgânica que era comercializada na Vila. A comida desidratada havia feito parte da sua vida inteira, havia se acostumado com ela e agora era difícil se adaptar ao novo. Mas ela estava tentando. Tentava não apenas pelo marido, mas querendo ou não, a forma como se alimentavam definia o status social das pessoas e Cami havia sido de classe média por muitos anos, mas não era mais. Agora ela era uma Royal. Fazia parte do nível mais alto que alguém poderia chegar na sociedade e era extremamente privilegiada por ter conseguido ir tão longe.
A primeira vez que havia provado comida de verdade foi num encontro com Marius. Ele a levou para sua casa na Vila, a casa em que ela morava agora, e mandou que os rats preparassem e servissem o jantar. Tais coisas não aconteciam na cidade, mesmo entre a classe média. Todo o apelo antigo que as refeições costumavam ter, aquela coisa toda de se reunir com família e amigos em volta de uma mesa repleta de pratos coloridos e saborosos, que demandam horas de preparo e dedicação não existia mais. Eram quase lendas urbanas, ninguém sabia se aquilo realmente havia existido e se ainda existia, era apenas um grande mistério sem respostas fixas. No fim das contas, a verdade era que entre o povo comum, ninguém tinha mais jantares ou almoços como festa, na verdade, a própria construção das festas de feriados e semelhantes havia se perdido, afinal, que graça teria sentar numa mesa para comer rações com gosto de nada?
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Projeto X
Ficção CientíficaNo fim das contas, não existe um consenso real entre o que realmente aconteceu ou quando aconteceu. O que se sabe, é que o mundo não é mais o que um dia já foi, e jamais voltará a ser. E, claro, que os eventos ocorridos lá para a metade do século 21...