Eu não acredito em santos imaculados, minha mãe não vai ser uma. Eu a amo, temos uma relação toxica de dependências, manipulações e amor intenso. Tudo é intenso quando se trata de mim e eu reconheço que sou uma bagunça assim como reconheço minha bagunça na bagunça dela.
Eu sei que quando ela se for vai ser a pior dor do mundo e tenho plena ciência de que não estou preparada para sofrer tal dor, de tão excruciante que imagino que seja; mas sei que meus pensamentos são amortecidos pela negação de que um dia ela vai embora, de que um dia ela não vai estar mais aqui.
Mas não concordo em medir meus atos pensando no doloroso futuro, não concordo em deixar de perceber minha mãe como um ser humano com histórias, traumas, dores, qualidades e defeitos que tem a capacidade de me machucar; e não concordo em me calar frente à isso.
Não concordo pois não quero calar ninguém. Não quero que me deixem de lado para que eu possa viver o papel de mãe em tempo integral, não quero que deixem de me reconhecer como um ser humano, tal como minha mãe, para que possam me esconder e esconder meus erros atrás de uma figura materna e, portanto, perfeita e boa. Nunca seremos perfeitos e totalmente bons. Não quero que meu filho ou filha se sinta como se não pudesse me contar coisas ou brigar comigo, não serei perfeita e boa. Eu erro, eu traumatizo, eu machuco tanto quanto acerto ou curo feridas e espero curar as que deixarei em meus filhos.