Prólogo

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O sinal tocou ao meio-dia, mas o corredor estava preenchido com os sons dos meus passos pesados e largos. Os ruídos do sapato raspando no piso emitiam puro desespero, apesar de destacar minha incrível agilidade. No final do mesmo corredor havia uma curva para a área de dados e informática, e antes que eu pudesse perceber, meus passos recuaram tão rápido quanto começaram, porém, inevitavelmente, a velocidade não foi diminuída a tempo, fazendo com que eu acabasse batendo contra uma porta que não identifiquei.

Com o choque da batida, eu escorreguei pela porta até cair de joelhos no chão e tive que parar por um momento para raciocinar o que havia acontecido. Assim que olhei para frente, fui inundada por uma tontura, e minha visão se tornou desfocada por alguns segundos.

Quando a tontura passou e minha visão se tornou nítida novamente, encarei o relógio, foi quando percebi que não havia escutado o sinal tocar, por causa do meu desespero. Eu ainda tinha mais uma aula para assistir. Antes que pudesse me levantar e arrumar minhas coisas que haviam caído no chão com o impacto, uma voz grave veio do outro lado da porta, ganhando minha atenção.

- Ignore o barulho. Continuando, onde estávamos?

Curiosa, me levantei e observei atentamente uma placa que estava pendurada no alto da porta. Era a sala do diretor, a sala que eu estive inúmeras vezes. Nada demais até então, eu apenas continuaria andando pelo corredor até chegar em meu destino. Mas uma nova voz desconhecida soou. Uma voz um pouco mais feminina, adocicada, uma que nunca havia ouvido antes.

- Muito obrigada, senhor. Afirmo que estou extremamente honrada em saber que fui contratada para trabalhar em um dos melhores institutos de educação da região. - Ouve-se o ruído de uma cadeira arranhando o chão.

Contratada? Mas já era metade do ano, era bem difícil um professor ser aceito nessa época, perto das férias. Talvez pudesse ser uma faxineira. Intrigada, decidi que esperaria um pouco para descobrir quem era.

- Aceita uma xícara de café antes de ir, sra. Huffman? - A voz um pouco mais abafada do que antes.

- Não, obrigada. - Há alguns segundos de silêncio. - Estes são meus papéis, certo? Ok. Até mais, senhor.

- Até. E seja muito bem-vinda.

Um pouco mais de silêncio permanece. Logo em seguida, uma risada extremamente leve e suave. No entanto, a partir do momento que escutei passos firmes se aproximando da porta, um arrepio percorreu desde minha coluna até o pescoço. Eu precisava sair daquele local imediatamente, eu poderia ser punida por estar ouvindo a conversa de outras pessoas, principalmente do diretor, e eu já tinha problemas demais no momento.

Eu abaixei numa velocidade inexplicável, sentindo uma tontura logo depois desse movimento brusco, e comecei a reunir todos os papéis que haviam se perdido no chão. Apesar do esforço e da velocidade, agachada e desesperada, ouvi a porta abrir. Senti meu sangue gelar, mas continuei de costas, como se nada tivesse acontecido, tentando juntar os papéis em ordem numérica. Meu rosto e pescoço passaram a ficar quentes, e minhas mãos começaram a suar.

Estava faltando um papel do seu trabalho, a conclusão, a parte mais importante. Comecei a procurar em volta dominada pelo desespero, e ao virar-me para trás, vi um par de salto alto preto. Ainda que envergonhada, minha curiosidade disparou na frente, fazendo-me levantar suavemente a cabeça, juntamente ao olhar. Pude vislumbrar a imagem de uma mulher alta, com algumas linhas de expressão. Mas o que mais se destaca é seu cabelo loiro, preso em um rabo de cavalo baixo. Sua expressão facial era suave, quase impossível de notar o que ela poderia estar pensando ou sentindo. Com sua postura impecável, podia-se deduzir que era uma mulher rígida, que não deixava transparecer emoções.

Quando percebi que estava encarando por tempo demais, sai de meu transe e meu olhar desceu, me concentrando nas mãos que seguravam exatamente o papel que estava faltando no seu trabalho. Antes mesmo que eu pudesse falar alguma coisa, a voz doce da mulher inundou o ambiente. Era uma voz tão calma que eu não ousei interrompê-la.

- Precisa de ajuda? Imagino que isso aqui seja seu. - Com um movimento extremamente sutil, abaixou seu braço para que eu pudesse pegar a folha de volta. Assim que soltou o objeto, seu braço voltou para a posição anterior. Sua expressão continuava absurdamente neutra.

- Ah, obrigada...? - Minha voz falha levemente.

Juntei o último papel aos outros, segurando-os firmemente dessa vez, e então me levantei. Apesar de eu ser alta, com 1,72 de estatura, ainda assim fiquei cerca de uma dezena de centímetros mais baixa do que a loira à minha frente. Era notável que mesmo que a senhora tirasse seu salto alto, ainda ficaria minimamente maior.

Um momento depois, sra. Huffman decidiu quebrar o silêncio constrangedor entre nós. Em virtude desse longo momento silencioso, pude notar que os olhos da senhora eram quase como vazios. Seu olhar era firme e parecia que podia transformar alguém em pedra em milésimos de segundos. Se não fosse o suficiente, sua pele também parecia tão pálida e rígida quanto. Eu, prestando atenção nesses detalhes, me arrepiei ao ouvir a mulher falar.


- Aquele barulho na porta. - Ela deu uma boa pausa. - Foi você?

Eu respiro fundo e limpo a garganta, soltando a tensão em meus ombros, agora que finalmente poderia desviar o olhar.

- Barulho? - Questiono logo imediatamente.

Mais uma longa pausa tomou conta do espaço entre nós. Isso era imensamente desconfortável.

- É como se algo tivesse batido contra a porta da sala do diretor, agora a pouco. Foi você? - Ela diz de maneira extremamente lenta, como se nunca tivesse sentido pressa em sua vida.


Sra. Huffman encarou-me de baixo a cima, quase como se quisesse sugar minha alma, ainda que da forma mais sutil possível.

- Apesar do fato de que eu não me surpreenderia se fosse uma alucinação minha, posso afirmar que foi algo completamente real. Foi uma batida muito forte. - Ela continuou.

Uma brisa passou por entre meus cabelos, foi quando simplesmente me virei e voltei a correr.

- Me desculpe, senhora, eu realmente estou muito atrasada! - Minha fala saiu quase como um grito, tornando-se abafado a medida que me afastava. Apesar disso, ainda era possível ouvir a minha voz ecoando na imensidão do corredor.

Sem pensar muito sobre o ocorrido, cheguei ao meu destino em menos tempo que o esperado. Eu recuperei meu ar por um momento, e então levantei o punho para bater três vezes na porta de madeira. Mesmo que tenha atrasado dez minutos, ainda me sentia aliviada.

- Mil desculpas pelo atraso, professor. - Falei logo após entrar na sala de literatura, virando-me para fechar a porta.

Andei pela sala o mais silenciosamente possível, sem olhar para ninguém, até chegar em meu lugar que ficava na segunda mesa, encostada na parede. Retirei meus materiais da mochila, e passei a ouvir a explicação do professor atentamente.

Essa sou eu, Jennie Bowen, e seja bem-vindo à minha história.

Entre Ratos e Cristais.Onde histórias criam vida. Descubra agora