Confissão

448 54 180
                                    

Alerta de gatilho
Homofobia.

...

As vozes em conjunto, o barulho dos dentes rangendo. Olhar para o lado e encontrar alguns rostos conhecidos e outros nem tanto assim. O refeitório estava aberto, com o fim da semana do aniversário do colégio os alunos voltaram às normais atividades, almoçar na sala de jantar não seria mais necessário, e Pedro agradeceu por não precisar fingir rezar.

Pegou uma bandeja e seguiu o caminho da mesa de Isac, quando se sentou ali, revirou os olhos. O tal grupinho do bullying, os meninos do basquete se sentaram ali.

– Isac, não sabia que você era amigo desse aí – Felipe, o garoto dos cabelos ruivos iniciou.

Pedro olhou ao redor, conseguiu avistar o cacheado com uma bandeja em mãos, ele esperava parado e parecia procurar um lugar.

Mordeu a maçã enquanto seus pensamentos fluíam. Uma garota dos cabelos tingidos se aproximou do cacheado e parecia ter iniciado um diálogo. Eles estavam andando juntos até uma mesa, nela estavam mais dois garotos e uma menina de cabelos curtos.

– o irmão do Isac vai ser padre porque é uma forma menos cruel de poder dizer pra família que não vão ter descendentes dele – Felipe caçoou, os outros meninos riam, Pedro encarava sério.

– você ser alfabetizado é tão irônico… – disse baixinho, enquanto passa o garfo no prato. –

– Tá querendo dizer que ele gosta de homem? – Isac questionava incrédulo, ele parecia temperamental.

– é por isso que não escolho ele nos times, seria estranho ele ficar olhando a gente no vestiário. – Felipe termina, Pedro faz menção de se levantar, mas pensou um pouco mais.

– eu também acho ele meio… viadinho – Luan finalmente abre a boca, Pedro desejou que ele estivesse calado.

Ele não só se levantou, como também derramou sua lata de coca cola inteira no loiro.

– creio eu que diante do seu espelho, você deve se achar ridículo, então eu não preciso fazer mais nada, se castigue sozinho.

O refeitório inteiro estava em choque, algumas pessoas tiravam fotos e outras riam.

Não demoraram nem dois minutos, para que o padre chamasse o nome Pedro no confessionário. Ele tinha sido chamado na direção, e não respondeu nenhuma das perguntas que o diretor fazia, sabia bem o que eles pensavam.

João estava ali, ele era coroinha e fazia parte daquilo. O padre tinha um semblante sério, mas não intimidador.

– você não pode sair por aí agredindo as pessoas, Pedro – a voz do mais velho era calma, ele se arrepiou por ver a quantidade de velas naquela capela. Tinha um certo trauma de fogo.

– Algumas coisas só se resolvem com violência – foi sincero.

– você vai se surpreender quando descobrir que isso só afeta a você mesmo.

– isso ou vocês? – ele riu. – vocês que me afetam já que eu tô aqui e aqueles filhos da… aqueles preconceituosos lá fora como se nada tivesse acontecido.

Pedro revirou os olhos, o padre estava sentado ao seu lado em um banco. Ele se negou a fazer uma confissão. João parecia fazer algo no altar, ele estava vestido com uma roupa branca, típica de coroinha. Mas aquilo soava fofo, porque nele elas se arrastavam no chão. O crucifixo que ele segurava combinava com o tom de seus lábios, lábios perfeitamente desenhados.

–  você sabe porque está no colégio, jovem, estamos aqui para te ajudar a se curar da sua rebeldia. – o padre tocou o ombro do moreno, ele suspirou fundo e se levantou. Caminhou para os fundos onde havia uma sala só sua.

João encarou o garoto rapidamente, ele parecia estar com receio do contato visual.

– porque você quer ser padre? – o castanho levou um susto, quando o outro apareceu ao seu lado.

– você não pode subir aqui, é um lugar sagrado. – se referia ao altar.

– oh, Pedro o pecador – ele dizia colocando as mãos no peito. – porque eu não posso, mas você pode, anjinho? – ele riu de lado.

– porque eu fiz tudo o que precisa para estar aqui, você não – explicou sem paciência.

– você não respondeu a primeira pergunta. – o moreno se aprimorou mais. Ele colocou as mãos na barra da beca de João, tocando no terço que ele segurava.

O corpo de João arrepiou e a temperatura parecia ter subido em questão de segundos.

– eu vou ser padre porque preciso ser – ele respondeu de um jeito quase inaudível.

– você vai se sentir preso pra sempre, tente pensar em não fazer isso com você.

– pense que toda liberdade tem um preço, Pedro.

O apelido de “anjinho” para Pedro fazia menção ao fato de João ser quase um “santo”, mas às vezes, para o outro aquilo soava em tom erótico.

–  você vai ser padre com essa paciência? – o moreno se sentou na beira do altar.

– você não pode fazer isso, levanta antes que o padre apareça. – João resmungou.

O moreno se levantou, ficou frente a frente com o outro encarando seus olhos fundos e vazios.

– porra você é chato, mas às vezes eu sinto uma vontade estranha de te beijar, pena que você vai ser padre – soltou, deixando João completamente estático. Desceu do lugar e caminhou até a porta da igreja, ele parou em frente a ela e fez um sinal.

Significava “anjinho” em libras.

O peito de João subiu e desceu enquanto tudo se dividia em milhares de pensamentos.

CORAJOSOS (PEJÃO) Onde histórias criam vida. Descubra agora