3 • Reflexos Fragmentados

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Os cotovelos sobre o mármore estavam dormentes pelo tempo que passou naquela mesma posição. O sol havia escalado por suas costas e agora ocupava no céu um lugar que estranhamente parecia mais perto da terra, enquanto o calor era palpável e o ventilador no teto não fazia nada além de barulho.

Um ruído que se repetia sem parar por sua mente, juntando-se aos pequenos sons de seu próprio corpo; não era como os batimentos de seu coração, mas sim com o estrépito de seus ossos ao menor movimento, de seus dentes, de sua garganta ao engolir a própria saliva, de suas unhas ao atrito de coçar a cabeça, de tudo em plena desarmonia.

Mantinha os olhos fechados e deslizava a ponta dos dedos pela nuca como um balanço reagindo ao vento; talvez por isso não viu o sono chegar. E talvez por isso não teve tempo de descobrir que todo aquele desconforto em seu corpo e mente era causado pelo sol em contato com suas costas nuas.

A dor era inegavelmente real e ele se recusava a deixar de senti-la.

Jungkook costumava ler sobre técnicas de indução de sonhos lúcidos, prática que tinha começado a ficar bom logo depois de levarem sua mãe; gostava da ideia de tê-la de volta momentaneamente, em um roteiro irreal e uma personalidade que a mulher costumava ter.

Naquele sonho, ela o chamava com carinho, entoando a melodia de uma canção de ninar cuja letra se perdera em sua memória. Era a trilha sonora de sua infância, e cada nota ressoava com uma familiaridade reconfortante. Agora, eram os dedos de sua mãe que reagiam ao vento em sua bochecha, enquanto ele repousava de barriga para cima, com a cabeça em seu colo, envolvendo alguns fios de cabelo dela entre os dedos. Não podia evitar se questionar quando a perdeu, quando a vida se tornou tão insuportável que a única saída foi conceber algo que não apenas acabou com sua própria, mas também com a vida de tantas outras pessoas. Ao observar os traços do rosto materno, ele não cometia o erro de afirmar que eram semelhantes; ela era única, um retrato vivo do pecado mais bonito que alguém poderia cometer. Eram ligados por muito mais do que as particularidades do rosto ou a cor dos olhos.

Contudo, a realidade infiltrava-se mesmo naquelas fantasias. Um cervo observava-os pela janela. Não era uma criação sua, mas sim de seu subconsciente que trazia uma mensagem: aquilo era uma fuga temporária da mentira incontrolável que o aguardava ao acordar. Mesmo naquela cena onírica, o corço mantinha seus olhos fixos em Jungkook, esperando que acordasse e percebesse que ele era tudo que sempre lhe restaria após um sonho bonito.

Ele despertou abruptamente, o choque do líquido gelado escorrendo por suas costas o tirando da sonolência. A primeira coisa que viu foram os pés descalços de Taehyung sobre o tapete em frente à pia.

— Você vai torrar desse jeito. —  Doyeon o repreendeu enquanto espalhava protetor solar em suas costas. — Levanta, vamos à praia.

Ele se endireitou, ainda meio zonzo, com o estômago revirando a cada tentativa de articular uma palavra. A cachaça era mesmo um veneno.

— É bom te ver sóbrio, ou quase — Doyeon começou. — Já faz um tempo...

Pegou a garrafa d'água que ela levava e passou os braços por seus ombros. Sem trocar palavras, ele sorriu e deixou a água fresca descer pela garganta. Na frente, Taehyung seguia sozinho, carregando uma cesta e algumas toalhas nos ombros. O trajeto até a praia era rápido. Coast, essa cidade dividida, curiosamente relegou sua praia ao lado marginalizado. Era deserta na maior parte do tempo, já que os moradores do lado oposto raramente a visitavam, e os mais próximos mal encontravam tempo para desfrutá-la. O cenário era marcado por um silêncio sereno, interrompido apenas pelo som do mar e o voo das gaivotas.

Ao chegarem à praia, arrancaram seus calçados, sentindo a areia cálida e granulosa afundando entre seus dedos a cada passo. Não tinham pressa, não experimentavam essa sensação há uma eternidade, se era que conseguiam se lembrar da última vez. Doyeon optou por roupas simples, indo na contramão do estereótipo de celebridade em fuga. Os habitantes daquele lugar não tinham tempo a perder olhando nos olhos de estranhos ou se importando com quem cruzava suas calçadas. Os paparazzis nunca arriscaram-se até aquele canto com suas lentes invasivas. Afinal, o que um nome conhecido estaria fazendo naquele lugar?

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