7 • Empire & the sun

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Anjos sempre foram figuras assustadoras, mas aquele à sua frente sequer se deu o trabalho de chegar e atenuar o medo que se alastrava.

No canto mais afastado da boate, o som da música abafava o resto do mundo, e a terceira dose de bourbon era dividida com um pretexto barato, quase cínico, mas servia ao propósito — uma desculpa para que os dedos se encontrassem, para que as mãos tropeçassem uma na outra e prolongassem o contato até o último segundo.

Volta e meia, a bebida era esquecida sobre o balcão, abandonada no meio de uma conversa silenciosa em que palavras nunca ditas eram carregadas pelo peso do olhar. As duas pedras de gelo, que antes giravam no copo como cúmplices de um desejo inconfessável, agora derretiam lentamente. A água fria se mesclava ao âmbar do bourbon, diluindo a intensidade que outrora queimava na garganta, transformando o que era forte e marcante em algo mais ameno.

Como o gelo no copo, eles também se diluíam, fundindo-se em algo que já não era apenas um ou outro.

Um pouco mais de quem foram antes se desvanecia, até que restassem apenas versões desfeitas de si mesmos. E, no final, assim como o bourbon que ficava no copo, o que restava era um gosto agridoce, uma lembrança de algo que, por mais que quisesse ser preservado, estava destinado a se transformar, a mudar e a se perder na efemeridade do momento.

Os olhares trocados carregavam o tipo de promessa que nunca seria dita em voz alta, mas que estava ali, clara como a luz estroboscópica que iluminava seus rostos por breves instantes, antes de mergulhá-los novamente na penumbra.

Suas mãos se moviam como que por conta própria. Os dedos traçavam caminhos sutis na pele, quase imperceptíveis, porém intensos o suficiente para deixar rastros de calor. Os sussurros eram trocados ao pé do ouvido, palavras que se perdiam na música alta, mas cujo significado era evidente no modo como os corpos se inclinavam um em direção ao outro.

Buscavam mais proximidade, mais calor, qualquer coisa que pudesse prolongar aquela sensação de estar à beira de algo irrevogável.
Cada toque, cada olhar, cada movimento constituía uma negociação silenciosa, uma dança de controle e rendição em que ambos sabiam o que queriam, mas nenhum estava disposto a ceder.

O que existia para eles era aqueles poucos centímetros de espaço compartilhado, um território íntimo que ninguém mais ousava invadir. Pelo menos, era o que pensavam quando, ao se distanciarem por breves segundos, ouviram uma multidão chamar o nome de um deles.

Desde a primeira vez que saíram juntos, essa diferença esteve presente como se fosse uma piada interna. Um deles pertencia ao ambiente, moldando o espaço ao seu redor com uma facilidade quase irritante, enquanto o outro, por mais que tentasse, nunca conseguia se livrar da sensação de ser um intruso.

Havia uma admiração sincera pelo brilho do outro, por essa habilidade quase mágica de atrair olhares, de capturar a atenção sem esforço. E isso era mérito dele, indiscutivelmente. Merecia cada segundo de atenção, e aquela sensação que se espalhava era como a de ver o sol nascer.

Então, o intruso se afastou. Deu um passo para trás e permitiu que o brilho do outro ofuscasse o mundo ao redor sem interrupções. Era uma retirada silenciosa, mas necessária. Sabia que ali, naquele espaço que não era seu, o melhor que podia fazer era observar de longe, admirando a força e a presença que jamais poderia igualar, mas que o fascinava de uma maneira que poucas coisas no mundo conseguiam.

Enquanto o outro recebia a adulação daquelas pessoas, ele sentia um certo conforto ali. Porque, ao fim de tudo, quando as luzes apagassem e quando eles se calassem, o brilho que tanto admirava seria só seu novamente, no espaço íntimo que dividiam e que, mesmo por breves momentos, ninguém mais ousava invadir.

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⏰ Última atualização: 3 days ago ⏰

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