CAP. 4

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Madden
Dias atuais..

Aspirei mais forte a bituca em minha mãos. Se meu pai soubesse desse meu hábito, talvez fosse deserdado ou um chilique muito grande iria me arrebatar por meses. Então preferia manter isso pra mim, mas o hábito ajudava a neutralizar a minha mente e tudo que havia nela.

Ivarsen chegou atrasado como sempre, correndo em minha direção e quase tropeçando umas duas vezes.
-Achei que não vinha.- Passei meus olhos por ele quando chegou mais perto.

Seu cabelo estava desarrumado e suado e suas roupas não estavam em melhor estado, mas ele era assim na maior parte do tempo.

Estávamos no estacionamento da praça perto dos gazebos e da prefeitura, quase sempre vazio já que as pessoas importantes que andavam por aqui tinham vagas próprias e bem posicionadas.

-Se quiser que eu chegue cedo, não devia me mandar mensagens aleatórias enquanto estou no meio dos meu afazeres, só porque sentiu saudade.- Ivar me olhou com seus olhos azuis, idênticos ao de tia Winter, fazendo um biquinho encenado.

Ri com a sua contradição. Afazeres? Ivar tendo algum tipo de responsabilidade? Faça me o favor. Era mais fácil ele tropeçar enquanto estivesse deitado. E não duvidava que isso acontecesse.

-É um assunto que você vai gostar.- Sorri ladino, e ele também, já sabendo sobre o que se tratava.

A Noite do Diabo estava próxima e gostava de resolver meus assuntos com antecedência. Por mais que gostasse de ser original, isso já era mais que uma tradição passada de nossos pais e temos que ser bons garotos e cumpri-la.
Começamos a dois anos, ambos com 16,  demos uma surra no professor de educação física que tinha fama de ficar espiando as meninas a trocarem de roupa, além de terminarmos a noite com uma de nossas festas no lago. Não gostava de festas, não gostava dos barulhos das pessoas corroendo meus ouvidos, mas só nessa noite, meu corpo parecia esquecer disso. Não ficava no auge da festa que nem Ivar, mas podia a contorna-la fazendo o que eu quisesse, já que nessa noite regras não existiam. Aquilo me fazia sentir vivo, ali podia ser quem eu quisesse e as pessoas não ficavam com medo, pelo menos não como ficavam na escola.
Ano passado organizamos uma corrida por toda Thunder Bay, fechamos as ruas e desligamos os sinais. A cidade se tornou um caos, e aquilo foi música para meus ouvidos. Não consegui terminar essa corrida, fiquei muito ocupado naquela noite, mas tenho certeza que todo mundo, inclusive Ivar, gostou.

E bom, esse ano queríamos algo maior, talvez um pouco mais egoísta mas que mudasse a percepção de algumas pessoas. Já que seria a última antes da faculdade.
Tinha planos para a administração, mas não queria as empresas Torrance que estavam no nome da minha mãe, preferia muito mais a rede de dojos do meu pai.
Passava grande parte dos meus dias lá e aquilo trazia uma paz para meu corpo. Poder descontar todas as minhas frustrações. Meu pai começou a me levar lá ainda pequeno, mais intensificou as minhas idas depois de um acontecimento com 11 anos. Sabia que ele tinha uma espécie de medo de mim, medo do que podia fazer e medo do que eu já havia feito.
Mas eu realmente queria transformar aquele lugar no melhor que ele poderia ser, queria ajudar e assim talvez meu pai não achasse que sou mais uma ameaça ou um problema. Talvez assim ele confiasse em mim e me desse seu orgulho.

Joguei o cigarro no chão e o amassei com a sola do tênis. -Entra aí.- Disse dando duas batidinhas no meu carro. Ivar sorriu e se jogou dentro dele.

Eu e Ivar éramos muito diferentes, mas de alguma forma nos encontramos como irmãos. Gostávamos de pensar que compensávamos os erros um do outro. Ivar era muito desastrado e irresponsável, e como eu era o oposto, ele podia desligar a cabeça totalmente, já que eu estava no controle. Eu não era fã de pessoas ou espaços com muitas delas e a maioria não se sentia bem perto de mim, então Ivar trazia essa leveza pra mim, já que fazia amizades facilmente.
Nós dávamos certo, mas o que nos unia era a necessidade de fazer coisas assustadoras ou estranhas para se sentir vivo. Não julgávamos um ao outro, com ele, eu podia ser eu.

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