Vento do Inverno

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- Senhorita - a voz dele escorria como creme, com uma cadência rítmica e um sotaque quase imperceptível, uma pressão curiosa na letra 'r'. - Essa é uma área restrita. Se importa de voltar para o salão?

- Ah, - Gabriele murmurou - eu estava procurando uma pessoa...

Ela se virou. O guarda ou quem quer que fosse a fitou com seus olhos escuros por um momento. Ele usava uma máscara preta com pequenos detalhes em azul e cinza.

Mas Gabriele não era boba. Ela era ladra a mais tempo do que o comum, e não era facilmente enganada. A sagacidade talvez fosse sua maior qualidade.

Ela viu as pétalas de gérbera aparecendo por entre as frestas de seus dedos fechados.

- Acho que confundi os locais, o salão é muito grande. Perdão. - Gabriele sorriu e observou-o, pondo a mão em seu ombro. -- muito obrigada por me avisar.

Ela saiu pelo corredor, voltando para o som da música e o burburinho das pessoas.

Não sentia mais a textura do papel na manga.

Agora, ele estava perfeitamente guardado no bolso da frente do terno de V.D.

*

Gabriele escalou uma estrutura similar a um poste, tentando conseguir um vislumbre do relógio no centro da cidade.

Havia trocado o vestido dourado por suas roupas típicas da AILF, uma blusa azul marinho um pouco desbotada e uma calça marrom escura. Havia uma espingarda no seu bolso, além da adaga que carregava sempre consigo...

A que lhe rendera um nome.

Ela conseguiu observar o relógio. Meia noite e quinze. Quase na hora. Ela rumou pelas ruas empoeiradas e os becos insalubres de Londres, cortando caminho por atalhos e escalando alguns telhados baixos.

Os Jardins Delacourt eram uma explosão de cores e um labirinto de plantas e flores, repletos de tulipas e rosas. Gabriele tinha o costume de ficar ali, e cada pequena vinha lhe era conhecida.

Tecnicamente, o local era posse de Jean Delacourt, mas o que era uma propriedade privada para uma quase líder de organização criminosa?

Por via das dúvidas, ela sacou a espingarda antes de virar as curvas do Jardim.

O som farfalhante de folhas sendo pisadas alcançou seus ouvidos, e ela segurou a arma junto a si, virando a próxima curva.

Lá estava ele.

Parecia um reflexo dela, de certa forma, com uma arma em punho, na direção de Gabriele.

Eles se encararam por um curto momento, um com a arma para o outro. Os olhos reluzindo sob a luz fraca dos postes e o aroma pungente das flores.

V.D. estava com as mesmas roupas que usara no baile de máscaras, um terno preto com joias cintilantes incrustadas e uma blusa branca por baixo. A máscara preta com respingos dançantes de azul e cinza.

Ele fitou Gabriele com os mesmos olhos escuros de antes, brilhantes e tênues ao mesmo tempo.

– Tenho homens escondidos atrás de vários pontos aqui. Se eu fosse você, não apertaria esse gatilho... Vento do Deserto.

Gabriele estalou a língua. Ele a observou um pouco antes de jogar a arma na grama. Um sorriso se abriu nos lábios de Gabriele e ela atirou a própria espingarda. A adaga foi a próxima, caindo com um rápido farfalhar das folhas secas depois que ela a atirou no chão.

Mas ele viu o brilho da lâmina reluzir. Pelo que tudo indicava, ele também não era bobo. Aquele era o tipo de brilho que só um metal específico produzia.

Regra nº  3: Jamais seja movido pelo mal.

– Adaga de Platina. – Ele sussurrou, a observando com certa incredulidade. – Eu deveria me curvar?

Um sorriso se abriu novamente nos lábios de Gabriele.

– Não acho que eu mereça uma reverência, considerando o que faço. Não acho que alguém realmente mereça.

– O que você quer?

– Já ouviu o nome da AILF? - Ela perguntou, medindo as palavras. Eles não tinham tanto tempo, então ela teria que ser rápida.

– Pequenos sussurros. Mas não passa de uma história para assustar as pessoas. Uma associação criminosa crescendo em Londres? É impossível. A polícia já os teria encontrado.

– Tem certeza? – O sussurro que Gabriele emitiu foi tão leve que poderia ter sido imaginação, e ela avançou um passo na direção dele. – E se eu te dissesse que ela existe? E que eu sou porta-voz da mesma, Vento do Deserto?

Ele a observou por mais um longo instante.

– O que você quer?

– Um trato. Como fazemos com todos que nos seguem. É mais simples do que você pensa.

– Envolve...?

– Nós te ajudamos a se esconder. Te fornecemos informações. E, em troca, você segue o Código.

–Então vocês têm um... código de ética? – a voz dele soava levemente zombeteira.

– Código de Furtos.

– É quase cômico que ladrões se preocupem com ética.

– É quase cômico que nós nos preocupemos. Você é um ladrão também, Vento do Inverno. - Ela sussurrou, devolvendo a zombaria.

Ele sorriu.

– Como preferir, madame. No que consiste tal Código?

– Você terá acesso a ele mais tarde, mas não até decidir se quer se juntar a nós. Temos 15 regras, sendo a 1 a mais importante e seguindo a mesma lógica.

– Então a regra número 15 pouco importa?

– Não. Mas não é tão importante quanto as outras. Caso descumpra qualquer uma delas, é expulso, em alguns casos delatado para as autoridades. Em caso de descumprimento da número 1, vamos analisar.

– Porque vocês me querem?

– Vimos em você a chama. É tudo que precisamos. – Ela sorriu. – presumo que nossa conversa acabe aqui, V.D.

Ela recolheu a adaga e a espingarda na grama e rumou alguns passos para dentro do Jardim, distanciando-se dele.

– Ah, e... se escolher o caminho certo... – Ela se virou para ele, andando de costas. – Seja bem vindo a AILF. Onde os ventos sopram sempre fortes e toda furtividade é pouca.

– Essa frase é decorada ou você acaba de inventá-la?

– Decorada. – Gabriele sorriu e seguiu seu rumo.

Ela pareceu mesclar-se com o resto do Jardim enquanto desaparecia em meio à explosão de cores.

A trama das máscarasOnde histórias criam vida. Descubra agora