Capítulo 7 - Através dos seus olhos

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Na manhã seguinte, Grace partiu pedalando em direção à reserva onde a garota misteriosa vivia, percorrendo o mesmo caminho da primeira vez. O dia estendia-se em sua serenidade habitual, marcado pelo vento suave que acariciava sua pele.
Enquanto isso, no modesto quarto de Claudia, a atmosfera era serena, porém tingida por uma melancolia suave. O espaço era amplo o suficiente para conter duas camas pequenas e dois pequenos móveis de madeira, que se alinhavam junto ao leito das camas. A maioria dos objetos exibia tons terrosos. Quadros sem vida adornavam as paredes e haviam livros espalhados pelo quarto inteiro; um abajur antigo e um vaso com flores murchas denotava falta de água - todo esse cenário revelava a sensação de abandono que submergia Cláudia.
Sentada ao lado da sua cama, Claudia acariciava suavemente o tecido que cobria seu colchão; seus dedos moviam-se contemplativamente como se buscasse conforto na textura do pano. Seu olhar estava distante e perdido em algum lugar completamente desconhecido enquanto o silêncio pairava no ar, fazendo com que seus pensamentos ganhassem vida própria. De repente algo chamou sua atenção fazendo-a retornar à realidade: seus olhos ajustaram-se tornando-se mais atentos e ela levantou-se lentamente dirigindo-se para a outra cama localizada no outro lado do quarto - como se uma sensação de inquietação tivesse despertado dentro dela.
Claudia encontrava-se imóvel no centro do quarto, seus olhos percorrendo os móveis antigos e o fino tecido que envolvia a outra cama. Um forte desejo de acariciar o tecido desbotado a invadiu, mas ela deteve-se a meio caminho, permanecendo parada por alguns instantes com os olhos fixos no objeto em questão. A luz fraca que penetrava pelas velhas cortinas pintava suavemente todo o ambiente. Claudia abraçou gentilmente seu próprio corpo com os braços num gesto simples e terno que carregava um profundo significado: a saudade de sua mãe consumia-a lentamente; viver entre tantas lembranças era uma dor insuportável. Ela ansiava por um último abraço, por uma última conversa para sentir novamente o amor materno, mas sabia intimamente que isso não seria possível. As flores murchas sobre a cômoda testemunhavam solenemente o silêncio do quarto onde memórias e saudades se entrelaçavam. Cada objeto ali tinha uma história para contar - parte da vida de Claudia agora marcada pela ausência da pessoa que ela mais amava.
De repente, uma suave voz reverberou pelo ambiente, provocando um sobressalto em Claudia que arregalou os olhos assustada.
- Tarefas, minha querida.
Aquele timbre era familiar, quase como um eco do passado. Seria possível que fosse ela...?
A jovem percorreu a casa à procura da origem daquela sonoridade enquanto seu coração palpitava desenfreadamente no peito. Seus passos ressoavam pelo piso amadeirado até adentrar a sala onde vislumbrou uma cena surpreendente que a deixou sem palavras.
Uma mulher misteriosa ocupava o espaço com as costas voltadas para Claudia e imersa diante de uma escrivaninha antiga - o mesmo local onde sua mãe dava vida às suas histórias. Um livro aberto, uma máquina de escrever repleta de lembranças e uma pilha de obras envoltas por capas escuras pontuavam aquela cena utópica. Cabelos dourados como os da garota se misturavam ao vestido amarelo enquanto ela delicadamente acariciava um lápis com seus dedos indicando dar vida às folhas em branco...
Claudia deslocou-se vagarosamente pelo espaço, com uma mescla de apreensão e expectativa latejando em seu peito. A imagem à sua frente era quase dolorosamente real, seus olhos marejados fixados na figura que se materializava diante dela. Uma sensação de tristeza pairava no ar, envolvendo a cena num manto de melancolia. Ela reduziu a distância, o coração pulsando forte. Com um gesto lento, a mulher ergueu-se da poltrona e ao voltar-se encarou Claudia diretamente nos olhos que teve Seus olhos percorrendo o corpo da mulher, de cima a baixo, incrédula do que via...
- Minha querida, o que foi? - Indagou aquela senhora, sua voz fluindo como uma melodia serena. Era a mãe dela! Sua genitora diminuiu a distância entre elas e com delicadeza, segurou o rosto de Claudia entre suas mãos, afagando-a com ternura. A jovem fechou os olhos, entregando-se aquele toque que era tão reconfortante, suas lágrimas escorrendo em silêncio enquanto a mulher a acalentava.
- Eu não sei. Eu não sei. - Sussurrou, balançando a cabeça em negação, tentando entender aquela imagem perturbadora, mas seu coração se recusava a aceitar.
- Minha querida.
- Não sei. - Suspirou profundamente.
- Pensamentos ruins de novo?
Os dedos da mulher deslizaram com suavidade pelas laterais do rosto da jovem e sua respiração tornou-se mais ofegante. Claudia colocou suas mãos sobre as dela sentindo-se submersa em um mar de emoções turbulentas incapaz de distinguir uma da outra...
- Minha querida. Está tudo bem. - A mulher sussurrou suavemente próximo ao rosto de Claudia, numa tentativa de tranquilizá-la. - Está tudo bem, minha querida. Está tudo bem. - Ela fechou os olhos e encostou sua testa na da filha, assobiando baixinho como se quisesse dissipar as emoções que perturbavam a jovem. Claudia permitiu-se envolver por aquele som reconfortante, sentindo o calor do toque contra sua pele como um bálsamo para seus pensamentos agitados.
- Meu amor. - A mulher depositou um beijo delicado no topo da cabeça da jovem. - Inspire. - Ela seguiu as instruções, fechando os olhos em uma tentativa de acalmar-se. - E expire. Querida, você está indo muito bem.
A voz da mulher ecoou em seus ouvidos como um chicote. Naquele momento, o ar ao redor delas tornou-se úmido e as roupas da mulher antes secas foram subitamente encharcadas como se por capricho do destino. As palavras que deveriam trazer conforto transformaram-se num tumulto ensurdecedor, algo que a fez tremer apavorada.
Aquilo não podia ser real, mas estava acontecendo diante de seus olhos, e Claudia sentiu que estava perdendo o controle de sua própria realidade. Ela abriu os olhos angustiada, sua respiração descompassada.
- Apenas inspire. Fique comigo, minha querida, está tudo bem. - As palavras eram tranquilizadoras, mas o tom da voz carregava uma sombra de desespero. Os pensamentos de Claudia retornaram ao momento em que sua mãe lutava contra as águas turvas da represa. - Meu amor, está tudo bem. - Mas aquilo não era verdade. A angústia estampava o rosto de Claudia; seus olhos cintilavam com lágrimas que logo escorriam por suas bochechas enquanto a imagem da mãe afundando continuava a assombrá-la. - Está tudo bem, fique comigo. Fique comigo.
As mãos da jovem tentavam gradativamente afastar sua progenitora, ao passo que o pranto se intensificava, fazendo-a retroceder. Entretanto, a mulher a segurou com firmeza e sussurrou-lhe palavras como quem exala um último suspiro. A vaga imagem materna tomou conta de seus pensamentos, deixando-a ainda mais apavorada. Tentou chamar Claudia com um murmúrio.
- Shhhh - Mas a consciência da jovem já não era a mesma. - Minha querida, está tudo bem. Vá devagar. - Desta vez surtiu efeito.- Shhhh - ela pediu fixando os olhos em Claudia. - Está tudo bem. Estamos quase lá, querida. Estamos quase lá. - Sua mãe repetia as mesmas palavras como um mantra e à medida que Claudia se aquietava, ela aproximou novamente seus rostos. - Inspire. - A garota manteve o ar com determinação seguindo o exemplo materno.
- Expire. Inspire. E expire.
Como num passe de mágica, a voz que antes era tão familiar adquiriu um novo tom. Era Grace ali o tempo todo. Elas permaneceram unidas, com Grace ainda tentando acalmá-la com ternura, suas mãos envolvendo delicadamente o rosto da garota.
- Ótimo. Inspire... e expire. - A voz de Grace fluía com serenidade e carinho que contrastavam intensamente com a angústia do momento. No entanto, quem Claudia realmente desejava que estivesse ali não era Grace, e seu corpo logo refletiu esse sentimento ao se afastar de abruptamente.
- Onde? - Questionou.
- O quê?
- Onde está minha mãe? - A pergunta embora simples, trazia código um peso doloroso.
Claudia franziu o cenho, sentindo-se enganada, a decepção pesava em seu olhar. O silêncio que se instalou parecia ecoar pelas paredes do pequeno recinto, tornando-o ainda mais esmagador. Grace não possuía palavras para responder. O espanto desenhou sua expressão, os olhos buscando respostas no vazio. Ambas sabiam a resposta, mas Claudia claramente não estava pronta para ouvi-la naquele momento. Assim sendo, Grace encarou-a em silêncio, com as mãos suspensas à altura do peito - posição essa em que Claudia deixara ao afastar-se abruptamente.
- O que eu fiz com ela? - Indagou, num tom firme, o olhar perdido.
- Claudia, sou eu. Sou eu, Grace. Lembra? - Ela se abaixou levemente para ficar no campo de visão de Claudia, um sorriso acolhedor moldando seus lábios, mas os seus olhos ainda carregavam preocupação.
- Não, não, não, por favor.
Grace tentou um novo contato, mas foi impedida.
- Claudia, por favor. Volte aqui. Espere. - Pediu em vão , pois era tarde demais. Claudia saíra pela porta da frente consternada, deixando Grace angustiada ao vê-la embrenhar-se na mata.
Grace correu atrás dela temendo o pior.
- Cláudia! - Gritava pela garota que disparou à sua frente. Conhecedora daquele lugar como a palma da mão fazia a distância entre elas só aumentar, mesmo com todo o esforço empregado por Grace. - Cláudia! Cláudia! - Gritava entre as árvores, suas roupas coloridas destacando-se na imensidão verde opaca, até perder-lhe de vista e quando pensou no possível rumo que poderia ter tomado ela desesperadamente gritou mais uma vez: - Cláudia! -Mas apesar dos intensos gritos, eles simplesmente pareciam dissipar-se antes mesmo de chegarem em quem precisava ouvi-los...
- Cláudia! Cláudia!

My First SummerOnde histórias criam vida. Descubra agora