Capítulo 3 - Jardim abandonado

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    Da margem da represa até a estrada de terra, a jovem com trajes coloridos prosseguiu em sua aventura para além dos limites familiares. Diante dela surgiu uma propriedade privada, como um convite sussurrado pelo vento. Ela desceu da bicicleta e avançou até o portão de ferro da entrada. Com facilidade, a tranca cedeu e as dobradiças metálicas emitiram um leve rangido que cortou o silêncio circundante.
    Com precaução, ela adentrou a propriedade e seguiu pela estrada de terra, examinando cada detalhe com precisão. À frente, uma passagem se abria entre duas pilhas de toras, pela qual a jovem atravessou. Uma sensação de mistério permeava o ambiente, histórias não contadas pareciam ecoar nas correntes de vento. Enquanto isso, seus sentidos se fixaram na modesta casa de madeira à sua frente, tingida por um amarelo desbotado. A vegetação ao redor havia praticamente dominado o local. O canto suave dos pássaros mesclou-se aos pensamentos da garota enquanto ela explorava os arredores tranquilamente. De forma quase imperceptível, seus passos leves ressoavam na madeira gasta da pequena varanda que circundava a frente da casa. Fixando seu olhar nas portas de vidro, inclinou-se ligeiramente para espiar através do vidro embaçado e proferiu um cumprimento suave: – Olá? – O timbre de sua voz fundiu-se com a serenata da natureza criando uma harmonia momentânea entre o mundo exterior e a misteriosa casa diante dela.
    A falta de resposta a levou aos recantos mais profundos da propriedade, guiada por passos que trilhavam um caminho até um balanço de madeira desgastado, protegido pelas sombras de um galho frondoso. Ao tocar as cordas que mantinham o balanço suspenso, um latido enérgico cortou o ar - era uma linda cadela.
    Não muito longe dali, os cabelos loiros da outra jovem balançaram em resposta à sua virada repentina e ela murmurou suavemente:
    – Tilly... – O nome do animal escapuliu dos lábios da jovem como uma prece espontânea. Ela apressadamente correu na direção do latido, determinada a alcançar seu objetivo único; no entanto, acabou seguindo por outro caminho.
No outro lado, um sorriso afetuoso surgiu nos lábios da intrusa acompanhado pela aproximação de Tilly, um cumprimento cordial com o balançar amigável do rabo do animal.
    – Ei. – Sussurrou a jovem selando uma conexão espontânea entre elas.
    Ela abaixou-se, estendendo sua mão em um gesto acolhedor, o qual a cadela recebeu com entusiasmo. Um saudoso "olá" foi direcionado para Tilly e a pergunta inevitável surgiu: – Qual é o teu nome? – Um simples toque na coleira desvendou a resposta e um sorriso terno iluminou o rosto da garota enquanto ela sussurrava o nome: "Tilly. Tilly." Suas mãos afagaram o pelo macio enquanto a cadela se afastava deixando uma pergunta no ar: "Para onde você está indo?" Murmurou a intrusa, envolta por uma onda repentina de curiosidade.
    A resposta veio silenciosa através da cadela que guiou-a seguindo uma trilha esculpida por entre a vegetação. O cercado logo se revelou abrigando estruturas de madeira e uma estufa envelhecida. Dois guarda-chuvas coloridos repousavam sobre o topo da estufa sendo um contraste vivo em meio à paisagem decadente. A jovem observava atentamente, seguindo o animal até fixar sua atenção na pequena estrutura feita de madeira e ferro claramente destinada ao armazenamento dos utensílios utilizados para cuidados e manutenção do jardim. Um vislumbre de surpresa desenhou-se no seu rosto quando viu uma figura jovem de cabelos loiros radiantes como sol abraçada à Tilly. Sua tentativa inútil de acalmar o latido do animal, mas era tarde demais pois a descoberta já estava feita.
    Quando a jovem de cabelos loiros percebeu que sua tentativa de passar despercebida havia falhado, ela retraiu-se abruptamente, um sobressalto traiçoeiro denunciando seu medo. Do outro lado, a intrusa proferiu um murmúrio quase inaudível, um "ei" carregado de tensão. Seus olhos se fixaram no objeto enferrujado que a outra jovem segurava - uma tesoura de jardinagem, pronta para ser usada como defesa.
    Consciente da ameaça implícita, a jovem das pulseiras coloridas recuou um passo e estendeu seus braços em sinal de rendição. Embora murmurasse palavras tranquilizadoras com o intuito de dissimular sua ansiedade, ela estava visível nervosa, com os olhos fixados no objeto pontiagudo em questão; Tilly soltou um choramingo proporcionando assim um breve momento de alívio na tensão do ambiente. A garota viu uma oportunidade para suavizar os ânimos e o fez: – Sua cachorra é muito fofa.
    O olhar apreensivo da jovem loira logo se transformou em expressão de temor.
    – Não a leve. – Disse ela com a voz trêmula, revelando suas preocupações.
    A intrusa respondeu, buscando tranquilizá-la: – Só queria garantir que você está bem – sua voz hesitante era uma tentativa frágil de conexão. Então aquela não se tratava do primeiro encontro delas? – Você... está bem? – A perguntou veio de forma cautelosa, enquanto observava atentamente a garota à sua frente.
    Os sinais eram evidentes: roupas desgastadas e um olhar perdido indicavam que algo perturbador estava ocorrendo profundamente dentro dela. Com um gesto sugestivo, a jovem loira indagou: – Como você sabia que eu estava aqui?
    A resposta veio rapidamente, a voz ainda trêmula: – Eu estava na represa ontem à noite. – As lembranças surgiram nítidas e dolorosas; a figura vista à distância, lutando contra as águas escuras vestindo um vibrante vestido amarelo finalmente encaixaram as peças do quebra-cabeça.
    De volta à estufa, a intrusa sussurrou novamente adotando um tom confiante.
    – Eu vi o que aconteceu. Não vou contar a ninguém. Eu prometo de mindinho. – Ela estendeu o dedo em direção à jovem loira como um gesto de pacto entre elas, prometendo confiança e sigilo. A reação da garota loira foi instintivamente recuar como se aquela ação fosse estranha demais para assimilar...
    – O que você está fazendo com o dedo? – A perplexidade transparecia no seu olhar.
    A intrusa insistiu, mas a jovem loira parecia não compreender o significado por detrás do gesto. A confusão nos olhos da intrusa refletia a sua própria confusão, enquanto tentava entender o que estava acontecendo.
    – Nunca ouviu falar de promessa de mindinho?
A negação suave expôs uma lacuna na sua compreensão. Os seus olhos azuis brilhavam como cristais perante aquela situação curiosa.
Com paciência e gentileza, a garota mais alta explicou: – Bom, significa mais do que um simples aperto de mão. – Ela estendeu a mão em direção à garota loira, que entrelaçou delicadamente os seus dedos num ato de confiança em meio à incerteza. No entanto, a expressão da garota de olhos verdes contraiu-se ao perceber um comportamento estranho vindo da outra jovem. As suas sobrancelhas franziram-se e surgiu-lhe uma pergunta silenciosa: por que razão ela estava mordendo os próprios lábios enquanto observava as mãos? Talvez fossem as pulseiras coloridas no pulso dela às quais acabou tocando levemente - eram elas atrativas? Ou seria o cheiro delas?

My First SummerOnde histórias criam vida. Descubra agora