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Atravessei a estrada quando nenhum carro cruzou a minha visão. Os meus pés moviam-se rápido e atentamente para que não cruzasse nenhum buraco ou poça de água. Estranhamente não chovia, por agora, enquanto via as portas da universidade ao fundo e me adiantava na sua direção.

Frank Ocean tocava no meu ouvido esquerdo enquanto deixava o direito livre para o exterior. Senti os olhos de todos em mim, mas tentava recordar-me que era tudo da minha cabeça. Depois dos boatos da gravidez e da dúvida entre progenitores havia um ruído constante nas redes sociais, palavras maldosas a serem-me enviadas e correio ameaçado a terminar na casa que já partilhei com Teyanna.

No momento em que dei um passo na calçada da instituição ouvi chamarem o meu nome. A voz era altiva e rapidamente se multiplicou noutras poucas. Virei-me, numa volta de 180 graus, e antes que conseguisse processar a imagem diante de mim, os meus pés moveram-se mais rápido e eu embati contra alguém que me puxou para trás da sua proteção. Descobri pelo uniforme pertencer à equipa de segurança do recinto e não consegui ser grata o suficiente. Diante dele, um grupo de raparigas tentou alcançar-me. Das suas mãos caíram balões cheios de qualquer coisa que não conseguia descrever. O cheiro depois de explodir contra o chão era horrendo e prometia acertar-me para deixar as suas marcas.

"Vocês não podem vir para aqui fazer essas coisas" a voz altiva do segurança enquanto as avisava.

Ainda estava admirada com a movimentação. Queriam acertar-me? Uma delas revelou-se fã de Mia. A sua camisola dizia-o por ela, mas as palavras que me cuspia também o poderiam revelar. "You are a fucking whore" gritou-me. Era toda ela olhos esbugalhados e ódio a saltar pelos poros.

"O qu-" tentei exprimir-me mas sentia um nó no topo da garganta.

"Dou-vos 2 minutos até que a polícia chegue!" O segurança ameaçou e continuo a caminhar para que se afastassem.

Quando olhei à minha volta havia um bando de pessoas que me observavam, comentavam e até quase gargalhavam com a situação. Senti-me envergonhada. Os meus olhos encheram se de lágrimas e eu arfei, com a cabeça numa confusão e sem saber como reagir. Continuavam os cânticos de insultos e faziam-me arquejar. Do nada, um balão foi atirado e estourou perto dos meus pés. O pequeno grito que caiu dos meus lábios em susto parecia entreter os espectadores e eu solucei antes de me virar para fugir dali.

Senti-me perder o equilíbrio diversas vezes. Queria desistir de entrar na faculdade, mas só lá, nas casas de banho, consegui esconder-me.
Fechei o tampo da sanita e sentei-me sobre ele para poder ter o meu tempo, mas então o meu telemóvel começou a vibrar de forma repetitiva e notificações de identificação em videos amadores foram caindo. Não os abri por medo, por ter acabado de sair daquela situação e ainda assim já ter meio mundo digital a compartilhar a minha humilhação e insultos sobre mim.

O ar fugia para longe tal como a minha racionalidade, queria gritar para libertar a tensão que sentia, mas então a porta da casa de banho abriu e eu encolhi-me para não ser encontrada dentro de uma das cabines. A minha mão limpou as lágrimas e cobriu a minha boca para reter qualquer barulho.

Era um grupo de raparigas que gargalhavam com a sua entrada. "Viste a cara dela?" Uma delas balbuciou perdida em animação.

"Como é que eu poderia não ter visto?"

"Bem que vergonha!" Outra respondeu. "É por isso que eu uso sempre proteção!" E riram-se.

"Ah, uau! Por isso usas proteção?"

"Claro! Quando me decidir por apenas um que valha a pena, não vai haver dúvidas isso te garanto!" Senti o meu peito arder e as gotas de água salgada correrem de novo. Forcei o aperto sobre a boca e mordi o lábio para impedir o choramingar de dor que queria romper a sua saída. A minha cabeça abanou negativamente para a situação, sem razão concreta, só com sensação de solidão e tristeza sem fim.

Não sei quanto tempo passou, quase me senti perder a consciência. Tinha o corpo comprimido no topo da sanita, a cabeça contra a parede lateral da cabine. Os meus olhos estavam secos, mas ainda havia soluços partidos a saltarem dos meus lábios para fora.

No meu colo, perto da minha barriga pelo confronto e posição que estava, o telemóvel ainda vibrava incessantemente.

Segurei-o entre os dedos, por fim e tentei limpar o maior número de notificações associadas ao evento horrível.

Então os meus olhos pousaram numa mensagem de Harry. Havia uma anterior de Louise.

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3:40 pm, hs

Atende-me Bárbara! Onde estás? Quero te ir buscar, não precisas de estar sozinha

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Não precisava de estar sozinha?
Mas então era quando eu podia pensar um pouco mais sobre tudo. Estava no limite do tempo permitido para um aborto, tinha que tomar uma decisão e estar com ele impedia-me de ser racional, toldava o meu julgamento.

Não sabia o que responder a Harry, mas também não tive tempo de o fazer quando ouvi. Chamava por mim num tom altivo. Parecia agitado e entrou na casa de banho de rompante. A sua mão empurrou a porta de cada cabine até alcançar a minha. Não movi um músculo, mesmo quando me encontrou.

O suspiro que deu parecia advir de horas de preocupação. Dos seus lábios caiu a minha alcunha e ele deu um passo para mais perto antes de se baixar para encontrar o nível do meu olhar.

"Deus, estás gelada" balbuciou quando me segurou pela mão, recordou-me do dia em que o reencontrei, no bar, e me segurou a mão porque queria aquecê-la.

"Como é que me encontraste?" Perguntei-lhe apaticamente, sem retribuir o carinho que enrolava à volta dos meus dedos.

"O teu irmão tem a tua localização no telemóvel dele" explicou. "Estávamos preocupados depois daquele vídeo"

Senti-me arquejar. O vídeo já devia ter corrido o mundo duas vezes. Toda a gente me tinha visto sob insultos e sem capacidade de defesa. Já toda a gente me via como uma whore. Como a que estava noiva, mas tinha se metido na cama do namorado da sua ex-melhor amiga.

"Diz-me que isto é um pesadelo" sussurrei porque estava quase sem voz, mal me consegui ouvir a mim mesma.

"Bo, não importa nada do que dizem, só o que tu pensas" com a ponta dos dedos reajustou os meus fios de cabelo. "E eu vou fazer-te ver que não fizeste nada para merecer isto, o que aconteceu não te define" Dylan tinha a capacidade de me acalmar a tempestade do peito, recentrar o horror da minha mente.

Ficou assim, com os olhos postos nos meus, à espera que o aceitasse, mas eu senti-me incapaz. Também não tive energia para o contradizer e então O'Brien ergueu-se e pediu-me que o seguisse. Levou-me pela mão enquanto a outra segurou os meus pertences. Assim que ultrapassei a intimidade do WC senti-me exposta.

Dylan lançou o braço à minha volta, quase a garantir-me proteção dos olhares dos poucos que ainda permaneciam na universidade. Já era de noite, comprovei-o assim que o vento de Londres começou a bufar contra nós.

Vi o seu carro estacionado, ainda de luzes acessas, diante da entrada. Como se tivesse saído às pressas, a confirmar a sua entrada desnorteada pelo recinto. Os seguranças afastaram-se rapidamente com a nossa chegada. Não argumentaram o seu não estacionamento e em poucos segundos estavamos a seguir pelas ruas escuras.

"Ficas comigo e com a Spinee hoje, ok? Temos saudades tuas" e eu tinha deles, daqueles momentos que agora pareciam ter se passado há meses atrás, daquela paz de o amar sem dúvidas.

Quando finalmente chegamos à sua casa, depois de ser recebida pela Spinee e acompanhada pela sua presença o tempo todo do meu banho, encontrei-me com Dylan no seu quarto. Havia um tabuleiro de panquecas, as que só ele sabia fazer perfeitamente, como eu gostava.

Não sabia como descrever o que significava para mim. Os seus lábios pisaram a lateral do meu rosto quando me sentei do seu lado, sobre a cama.

"Obrigada" murmurei-lhe de olhos fechados. O meu corpo encostou-se ao seu e ele sorriu, docemente.

"És a minha miúda"

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