Era dificil ouvir as opções que restavam em cima da mesa. Ainda agora me era estranho compreender que, enquanto dormia sob sedativos, não se recordava das nossas ultimas interações, do nosso noivado...
Encostei-me contra a janela e prespetivei a sua face. Não estava em paz, parecia lutar contra os próprios sonhos e então, sem que nada o previsse, os seus olhos abriram, mas foi tão vagarosamente que parecia dispender um monte de energia só para o fazer.
Ergui-me a receio. Até acredito que os tremores fossem visíveis mesmo a esta distância.
Os seus olhos piscaram e as suas sobrancelhas quase se cruzaram com o meu avistamento."Harry, o qu-?" Suspirou e tentou reencontrar-ss por entre os anestésicos que lhe corriam no sangue.
"Vim ver-te" murmurei custoso, com pequenos passos na sua direção até a alcançar. Tomei a liberdade que provavelmente lhe pareceu estranha, mas por nós era adorada e sentei-me do seu lado, sobre a cama.
"Ver-me?" Questionou quase incrédula. "Como é que a Mia se sente em relação a isso?" Fez-me uma careta engraçada enquanto continuava enrolada num discurso vagaroso.
Soltei uma pequena gargalhada pela sua postura, mas agi com automacidade quando me estiquei e enrolei a minha mão na sua. As suas bochechas avermelharam e o seu pequeno corpo tentou reajustar-se, apesar das dores.
"Como te sentes?" Perguntei-lhe e recuei com o que lhe parecia uma audácia no toque."Harry, o que fazes aqui?" Não me respondeu e desta vez perguntou com mais firmeza. "Não quero problemas com a Mia! Agradeço-te por me teres tentado apoiar, mas devíamos esquecer o que aconteceu e seguir a nossa vida!" Deixava um sabor agridoce, mas ao mesmo tempo deixava-me meio atordoado. Não tinha a certeza do que se referia porque não sabia do que se lembrava por ultimo.
"O que estavas a fazer quando tiveste o acidente?" Questionei e reajustei-me, um pouco menos perto para que não me impusesse no seu espaço pessoal.
A confusão pintou a sua cara enquanto os olhos moviam-se de ponto para ponto, talvez a tentar encaixar as peças.
"Estava a sair de tua casa, ia ter com o Dylan ao hospital" murmurou sem me olhar, ainda presa na sua própria mente. "O Dylan descobriu que estivemos juntos e errou uma cena e teve um acidente" o meu peito afundou com o peso de a ver magoada. Os seus olhos encheram-se de água ao passo que em mim inundava-me raiva e fervor. Mentiram-lhe. E não me interessava quem o fez ainda que suspeitasse. Enganou-a com culpa e agora acordada tinha que lidar com a ideia de que tinha sido culpada do acidente de O'Brien e que precisava de o recompensar.
Senti que o meu olhar começou a trespassa-la com a tremenda cólera que sentia a cada segundo mais.
O meu punho começou a fechar-se inconscientemente. "Perdoa-me Harry" balbuciou atrapalhada e isso fez-me focá-la de imediado. As suas bochechas vermelhas estavam lavadas em agua e tinha um ar tão melancólico que me remexia as entranhas e me fazia querer agarra-la perto de mim. E foi o que fiz. Talvez num impulso, sem duvida numa vontade extrema.
Empurrei-me até ao topo inclinado da sua cama e segurei-a conta o meu peito. Ouvir o seu choro enfurecia-me, mas então, por alguma razão senti-me chorar com a B e estremecer ao som do eco da história que me contou, que lhe contaram, que inventaram.
"Nunca quis estragar a tua relação, nunca quis colocar-te nesta posição! Tudo isto porque eu não o quis ouvir, não quis uma explicação pelo raio das fotos com a ex—"
"Ei, ei" murmurei para a interromper. "Está tudo bem" mas não estava. "Está tudo bem, B"
"Eu sei que ele está lá fora e permitiu que entrasses" a forma como soava abusivo este controlo sob a B mexia com a minha plenitude. "Por favor, vamos esquecer o que aconteceu! Eu quero que sejas feliz, não ha mais nada que eu queira. Vem de dentro de mim"
Afastamo-nos e estavamos a entreolhar-nos. Não tinha opção que não a de me manter calado, à espera que tomasse a decisão pelos dois. Sem saber bem como dar a volta a esta merda de farsa que criaram.
"B—"
"Nada disto faz sentido" choramingou, dolorosa. "Sinto-me tão estranha" O tropeçar entre as palavras parecia igual ao que a perseguia antes deste acidente e isso partiu-me um pouco mais. "Parece que as coisas não encaixam, eu—" os seus olhos focaram-se de repente em mim. As mão pararam de desenhar no ar e uma pequena e ultima lágrima caiu-lhe das pestanas. "Algo não está bem. Harry, o que se está a passar?" Foi com receio que me questionou.
Senti-me preso no momento. Abri a boca para falar, mas nada saiu. O meu coração batia ferozmente a querer sair pela boca para lhe contar a verdade e quando pensei ter reunido toda a coragem... a porta abriu e a sua equipa médica entrou com ânsia. "Apercebemo-nos de uma alteração cardíaca" disse. "Vamos aumentar um pouco o sedativo" e eu não consegui impedir.
Ergui-me sem que mo pedissem. Porém, os nossos olhos, o meu e da B, ainda estavam conectados. "Vamos lá, Barbara! Se queremos dar-te alta, precisamos de terminar estes exames , eventualmente" o enfermeiro brincou depois de empurrar a seringa por completo. "Vou levar-te para mais exames, mas podes dormir" enquanto desbloqueava os travões da sua cama, dizia-o, ainda que a tivesse obrigado a reduzir-se aos efeitos da medicação pesada.
Na minha mente eu não conseguia encontrar uma lembrança da sua presença tão assustada. Os seus olhos bonitos lacrimejaram. "Harr—"
"Eu vou estar aqui quando saires B" garanti-lhe porque parecia precisar que alguém lhe desse uma certeza enquanto a levavam e ainda assim parecia tentar manter o contacto visual comigo, como se isso os impedisse de a tirarem daqui até obter alguma resposta.
Mas a verdade é que foram poucos os segundos em que me mantive dentro do divisão depois da sua saída. Tinha a mente num turbilhão e sentia o meu sangue ferver mais e mais a cada segundo. Não havia uma pitada de paciência mais dentro de mim. Não havia ponderação, não havia logica quando empurrei a porta e o vi.
Parado na sala de espera, com um bando de gente à sua volta e um sorriso no rosto. Parecia que contava a melhor história do mundo e isso ainda me cegou mais. Pelo menos ao ponto de não me parar.
"Harry?" senti a minha mãe chamar-me do meu lado, mas não parei até porque não conseguia, não estava em poder de me autocontrolar e segurei-o. Ouvi o meu nome ser exasperado de diferentes pontos da sala e uma mão tentou segurar o meu braço sem êxito. Podia ouvi-los surpreendidos.
Por entre os dedos enrolados em tecido da sua estupida t-shirt, empurrei-o contra a parede e lá o mantive. O ar que saía pelas minhas narinas estava quente, tal como a minha cabeça e de olhos esbugalhados confrontei-o, sem dizer uma unica palavra. E eu sabia que ele não era burro o suficiente para me dirigir a palavra. De todas as vezes que nos encontramos eu não me lembro de o olhar e sentir o que sentia neste momento.
"Harry, o que estás a fazer?" Martim exasperou.
"I will fucking kill you O'Brien" disse-o por entre dentes. "Se tu continuas com esta palhaçada, eu mato-te"
O desespero da minha mãe era palpável, mas eu não estava a processar onde ou com quem estavamos.
Os nossos olhos continuavam no do outro e eu não via um resto de sorriso agora.
Foi de repente que os dois braços que já me tentavam demover conseguiram afastar-me da sua presença. Deixei de ver vermelho e som de fundo deixou de soar tão abafado. Comecei a sentir-me tonto e confuso por momentos enquanto a voz de Martim soava perto do meu ouvido. "I get you, Harry" repetia "eu percebo-te e nós vamos resolver!"
Eram palavras que me reconfortavam de alguma maneira. O saber que nem todos embarcavam nesta loucura, que talvez ele estivesse a fazee tudo isto sem o apoio de alguém fez-me dar um passo atras. Apesar de tudo os meus olhos ainda estavam sobre ele e ele sabia que o melhor que poderia fazer era manter-se naquela porra de parede. Mesmo quando estava prestes a virar a esquina e deixar de o ver, ele ainda estava ali, no mesmo sitio, sem nenhuma expressão de animo: o porra do O'Brien.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Unreachable ✈
FanfictionPorque talvez se conseguisse perdoar, sabendo que o passado é inalterável e o amor, aparentemente, o ideal inalcançável.