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Sorri de forma gasta. Assim, trepidamente, sorri e mantive-me com as pernas encolhidas contra o peito, os pés contra o limite da cadeira, as mãos enroladas na procelana quente e os olhos apontados para o céu ventoso, cinzento. As pontas dos meus dedos espreitavam pelas mangas quentes e serpenteram o seu caminho até à minha cabeça. Puxei o gorro para cobrir as orelhas frias e voltei a tentar acompanhar a conversa delas.

Louise deambulava sobre como Lux queria respostas o tempo todo, a tudo. E eu e Gemma ouviamos deliciadas, eu com saudades de ver a pequena Lux, de a ver adormecer agarrada a mim para acordar da mesma forma.

Estávamos sentadas numa mesa do exterior apesar do frio. Não era a única razão, mas aqui podia fumar livremente, ou pelo menos assim pensava até Louise amaçar o maço por entre os dedos antes que conseguisse um novo cigarro. Tentei repreendê-la com o olhar, sob a voz de Gemma acerca do seu novo trabalho e novas funções, mas compreendi de onde vinha e suspirei antes de me atirar contra a cadeira de novo como uma pequena Lux contrariada. Na minha mente relevei e até racionalizei o seu ato! Sabia que queria o meu bem, por isso não me centrei no assunto por muito mais tempo.

Estava bem, silenciada e no meu canto, a interagir verbalmente pouco pela vergonha da gaguez. Mas havia uma ansiedade latente que me corroía lenta e dolorosamente e ela recaía sobre as últimas novidades que tinha de Harry.

"C-co—como é que es—stá o Harry?" Caiu-me da boca, pintou-me o topo das bochechas de vergonha e fê-las parar de conversar abruptamente.

Podia jurar que os olhos de Gemma não abririam mais do que aquele tamanho e Louise não se mostrava assim tão surpreendida, como se soubesse que ainda procurava por fotos dele e notícias, videos em que deslumbrava fãs com as músicas bonitas que soavam a partes do nosso passado juntos.

Os dedos irrequietos de Gemma arrumaram cabelos por detrás da orelha e o seu olhar diminuiu, focou-se no de Louise à procura de validação e depois pousaram no seu colo. Vi como o corpo aumentou em tamanho enquanto respirava pesadamente. Os seus olhos voltaram-se na minha direção e havia um semblante estranho. "As últimas notícias não ajudaram muito" sabia disso, por isso estava por um fio fino e frágil de o contactar. Os rumores, mascarados de "fontes próximas", tinham pintado as capas das revistas com dizeres do seu problema com medicação não prescrita e álcool. Concertos tinham sido cancelados e as críticas soavam em todos os canais de fofocas e redes sociais. O Harry tinha desaparecido por uns dias e o meu sono tinha fugido da inquietação que se assentou em mim. "A equipa achou melhor cancelar alguns concertos e ele agora está a tentar descansar" disse-o num tom simpático.

Abanei a cabeça em concordância. Não era, nem pouco nem longe palavras que me fizesse acalmar o coração, mas eu não acho que quaisquer alguma vez fossem. Queria vê-lo, mas não o iria procurar depois de pedir que me deixasse viver a minha vida sem ele. Talvez ainda precisasse de viver sem a sua presença, porém, talvez precisasse de mim.

"Estou a ficar em casa dele por agora, achamos melhor. Tu entendes"

Queria dizer que ele continuava a automedicar-se? Queria dizer que ele estava a ponto de se autodestruir? Será que poderia fazer algo para ajudar?
Tinha tantas perguntas, mas não me pronunciei. Ao invés anui com a cabeça e remeti-me à minha postura medrosa. Ainda fui o seu foco de atenção por alguns segundos, mas então Louise limpou a garganta e perguntou sobre os homens interessantes que Gemma tinha conhecido no estrangeiro.

A minha mente ainda ia captando algumas das suas palavras. No entanto, acabei imersa na preocupação por Harry. Tentei não me recordar dele como outrora já o tinha visto: sozinho, medroso e afetado pelo consumo de estupfacientes tanto como de críticas e exposição pública.
Desejei segura-lo perto de mim. Que deitasse a cabeça sobre o meu peito como costumava fazê-lo à procura de conforto. Queria ser para ele o que merecia, mas isto só resultaria num mundo perfeito, que não existe.

"Co-consegues a-a-arranj-jar-me bilhetes?" Indaguei e dei-lhe mais um pote de surpresa. Louise quase se engasgou e Gemma abriu a boca múltiplas vezes sem nunca produzir uma única palavra.
Sentia que estava a ser engolida por confusão mental e compreendia que estava a ser incoerente. Pedi-lhe que me deixasse estar sozinha, longe dele e agora queria vê-lo. Sim, este desejo vinha de mim, mas também vinha do conhecimento das novas fofocas que eu sabia serem verdade, por compreender bem que Harry estava sob ataque e isso o poderia deitar ainda mais abaixo.  "N-não vai sab-ber q-que lá est-tou! Pr-prometo!"

Styles_

Desfiz o comprimido em pó e raspei-o para dentro de uma das três doses de whiskey com que me servi. Depois da reunião com a equipa de relações públicas sabia bem que estar dentro de casa minimizaria alguns danos. As noticias tinham explorido durante a noite e eu acordei com a onda a rebentar na minha casa. Eram chamadas consecutivas jo meu telemóvel e todos queria perceber se eu realmente me tinha tornado num típico caso de celebridade perto do abismo, enterrado em droga.

Restou-nos cancelar os concertos desta semana, mas nada mais. Não queria que os boatos ganhassem mais força pela confirmação que teriam com a minha fuga dos palcos. Uma semana de pausa seria positivo e então eu voltaria ao palco para provar a todos que estavam enganados, apesar de não estarem assim tanto.

O meu polegar confirmou a identidade quando tentei entrar na icloud. Segui para os ficheiros codificados e desbloqueei-os para ver recordações bonitas que nunca tinha conseguido apagar. Deixei-as neste canto da nuvem, escondidas para que Mia não pudesse sequer suspeitar que as mantinha. Mas já não as consultava fazia tempo, ainda assim quando as encontrava negava-me a apaga-las.

Senti receio, um aperto no peito, quando o meu dedo sobrevoou um vídeo da B deitada do meu lado, na Grécia, com os lençóis a cairem-lhe pelas pernas nuas e o seu sorriso preguiçoso voltado para mim. Os seus dedos desenhavam as minhas tatuagens, dava-me ideias de algumas e desenhava-as em papel. Algumas delas marcavam agora o meu peito, tinha-as feito em sua homenagem para que não me saísse do corpo. O seu cabelo atrapalhado num coque que lhe dava um ar descontraído e os olhos miudinhos apaixonavam-me. Ouvi-a gargalhar quando reposicionou sobre o meu corpo a pequena tatuagem que tinha desenhado e me viu contorcer o nariz.

"Can I stay?" Carranquei. "Estás a tentar dizer-me que não tenho para onde fugir?" O aparelho eletronico tinha transformado a sua voz e dado lhe uma tonalidade mais artificial, o que me entristecia porque queria ouvi-la verdadeiramente.

Os seus olhos reviraram depois da risada suave e então disse-me, os seus dedos brincaram contra a minha pele. "Parvo" arreliou falsamente. "És o único local onde ficaria o resto da minha vida" as palavras dançaram pelos seus lábios e deixaram-me sem reação possível. "Porto seguro" disse-o em português e confindiu-me.

Tentei reproduzir o que tinha acabado de ouvir, mas falhei redondamente. "O que significa?" Os meus dedos, os que não seguravam o telemóvel, enrolaram-se à volta de um dos seus caracóis, fizeram o caminho que traçava e depois acariciaram o seu rosto bonito.

"Significa que és a minha casa" ainda havia uma pequena gargalhada a cair dela pela minha falta de capacidade na língua portuguesa.

A imagem ficou preta porque eu tinha deixado o telemóvel cair para me lançar ao seu corpo. Ouvi-a gargalhar e lembrava-me como a beijava, como o meu corpo quente e desnudado sentia o dela em igual condição. "Tu és a minha casa, B! E nunca me peças para ficar, eu não aguentaria se fosses embora"

A gravação terminou, a minha mente continuou naquela recordação. Quase podia jurar sentir os lábios dela nos meus, e a sua pele sob a minha boca beijocante.

Pouco depois senti-me enjoado com a dose. Pensei em ir até à casa de banho, mas fiquei-me pela segurança do assento e das lembranças até adormecer.

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