Adorava os dias enfadonhos. Por norma tínhamos que nos deitar cedo e correr de um lado para o outro. Com sorte tomaríamos o pequeno almoço juntos, mas a sorte era escassa e, nos dias em que conseguíamos dormir juntos, esse era o nosso momento que não se estendia à primeira refeição com regularidade.
Mas nos dias enfadonhos não. Nestes dias nós conseguimos acordar depois das sete da manhã, fugir para o sofá e aqui ficar por horas indetermináveis. Mesmo na minha casa Harry adiantava-se para a cozinha e pedia que não me preocupasse. Estava exausta constantemente, mas sabia que estaria pior. Ainda assim pedia-me que descansasse, garantia que trataria de tudo e realmente fazia-o, tal como agora.
Conseguia ouvir as frigideiras a cozinhar e Harry movimentar-se de um lado para o outro, mas se me erguesse ligeiramente do sofá, tinha uma das melhores vistas do mundo. Dentro de boxers e meias puxadas até acima dos tornozelos, cantarolava uma música que eu não conseguia compreender daqui. A minha cabeça começou a abanar consoante a sua, inconscientemente, a aproveitar os murmúrios que me alcançavam. A casa estava só para nós porque Martim tinha viajado com alguns dos seus amigos numas férias mal planeadas. Então ora dormiríamos aqui, ora em casa de Harry, ou até cada um na sua quando as agendas não permitiam uma melhor condição.
Sorri com o momento de tranquilidade e lancei o corpo para trás com o suspiro confortável. As minhas costas bateram no sofá e a cabeça na travesseira que tínhamos trazido para cá. Remexi os pés dentro de meias brancas e namorei o meu pijama improvisado. Dentro da sua camisola branca e uns pequenos calções, saltitei até à porta da entrada depois da campainha soar.
"eu vou" avisei e vi-o acompanhar o meu caminho com um sorriso instigante. Senti os seus olhos em mim, sobre o meu corpo e corei por isso, no exato momento em que abria a porta e me preparava para negar a oferta de um qualquer produto que estivessem a vender.
Abri um sorriso simpático, mas ele desfez-se quando foquei na presença do outro lado.
"D-Dylan" o meu sangue gelou e eu senti-me estranha por o ver, por não estar feliz pela sua visita inesperada e por sentir os seus olhos analisarem o que tinha vestido.
"B, bebé" a voz de Harry soou atrás de mim, a aproximar-se lentamente. "está pronto e nem vais acreditar no que-" a porta estava aberta e a novidade exposta por entre silêncio e olhares constrangedores.
Ainda tinha os olhos vidrados nele e ele em mim. Nem por um segundo me pareceu surpreendido com o que se estava a passar, só... desiludido?
Fechei a boca, finalmente. "Vim ver-te" disse-me simplesmente.
Harry limpou a garganta para depois se fazer ouvir. "não fiques à porta" disse num convite e segurou a madeira da porta para a abrir mais.
Dei um passo para a direita com ar de comprometida, como seu tivesse sido apanhada em algum problema. Sabia que tinha terminado tudo com Dylan, mas ainda havia uma nuvem do nosso relacionamento a pairar sobre a minha cabeça. Pelo menos agora eu compreendia que havia enquanto O'Brien aceitava o convite e eu voltava costas para me adiantar até à sala. As minhas mãos soavam enquanto ouvia o seus passos atrás de mim e tentava ganhar coragem para me voltar na sua direção.
"Bo" chamou-me quando não tinha mais nenhum passo por dar. Os meus dedos seguravam o tecido do sofá e eu fechei os olhos com forçar para me centrar na racionalidade antes de me voltar para o confrontar.
Abriu-me um sorriso pequeno e ainda assim não me tranquilizou. "pareces bem" disse-me com as mãos enfiadas nos bolsos das calças.
Fiquei afetada pelas palavras. "p-p--pareces-me bem também" assenti.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Unreachable ✈
FanfictionPorque talvez se conseguisse perdoar, sabendo que o passado é inalterável e o amor, aparentemente, o ideal inalcançável.