QUARENTA

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       Quando eu termino, Yibo está com a cabeça entre as mãos. Toco seu ombro, e ele olha para cima, seu rosto assombrado.
— Por que não me contou? — Ele sussurra.

Procuro as palavras certas para explicar algo que é fundamentalmente inexplicável.

— Eu não era capaz de verbalizar na época, em algum tipo de ordem lógica. Não contei por que não conseguiria contar.

Yibo examina meu rosto. — Mas agora você conseguiu me contar.

— Foi preciso muita terapia para chegar até aqui, — eu explico. — E remédios. Isso também.

— E, — ele pergunta com cuidado,
— ser um monge?

— Sim, — eu digo, olhando para baixo através das lápides para o riacho e depois para as colinas. Estamos sentados em um lugar onde séculos de homens santos foram enterrados, um testamento de pedras tortas e cruzes celtas redondas, um testamento para vidas inteiras vividas em um pedaço de terra.

— O trabalho no dia e o trabalho na minha cabeça se espelhavam em meus primeiros anos como monge - novas rotinas, novos tipos de higiene do sono, passar tempo fora de casa, contemplação – acho que isso criou uma espécie de ciclo de feedback positivo. Eles se alimentavam uns aos outros. E a fé...
Eu paro, sem saber como explicar isso sem deixar claro que Deus trabalha tanto por meio de remédios e terapia quanto por meio de orações e hinos.
— Foi o despertar do meu espírito, — digo enfim. — E sem meu espírito, acho que minha vida não seria o que é agora. Totalmente aqui. Totalmente presente.

— Mas então por que trocar de ordem? — Yibo pergunta.
— Por que veio aqui procurando algo mais se o Monte Sergius já fez tanto por você?
— É porque esta vida fez muito por mim, — digo, virando-me para encará-lo.
— Devo muito a Deus e aos meus irmãos, nos últimos cinco anos, mas não consigo terminar a única tarefa que me é pedida, que é fazer do meu coração um coração para Deus e para a minha comunidade e apenas para essas duas coisas.
Eu encontro sua mão e a pressiono no meu escapulário, no meu peito, assim como fiz antes. — A verdade é que eu visto dois destes, Yibo, um para Deus e outro que ninguém mais pode ver. Para você.
Nós nos encaramos por um momento, meu coração batendo contra sua mão, seus ombros se movendo com respirações pesadas.

Não sei o que dizer a seguir - nem mesmo sei o que gostaria que ele dissesse em resposta -, só que quero que ele saiba como isso é verdadeiro. O quanto é inconveniente, maravilhoso e poderosamente verdadeiro.
Um discreto alarme dispara em seu relógio antes que qualquer um de nós possa dizer qualquer coisa, e com um palavrão baixo, ele olha para baixo e o silencia.
— Precisamos voltar para o almoço, — diz ele.

— Tudo bem, — eu digo, e com relutância solto sua mão do meu peito.
Calçamos nossos sapatos, arrumamos nossas roupas e nos certificamos de que não haja grama ou manchas de sujeira óbvias. E então, antes de subirmos as escadas para o cemitério superior e o caminho de volta para a abadia, agarro seu suéter fino e o puxo para minha boca.
Ele tem um leve sabor de café, mas principalmente dele mesmo, e o interior de sua boca é sedoso e quente, e seus lábios estão apenas um pouco frios com a brisa. E este beijo é perfeito e ele é perfeito, e eu rezaria doze rosários por dia, esfregaria cada chão do santuário, cortaria toda árvore morta que já existia para mantê-lo bem aqui contra mim.
Mas os sinos da sexta começam a soar e não tenho escolha.
Interrompemos o beijo, ambos olhando um para o outro com coisas que não temos tempo para dizer, e então corremos de volta para a abadia.

— Amanhã, — digo enquanto caminhamos pelo cemitério e em direção à igreja, onde cantaremos a sexta e depois iremos para o refeitório para o almoço, — Acho que conseguimos dar outra escapada. Pela manhã.

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