VINTE E CINCO

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         PARTE 3


FRANÇA

DO CADERNO DE WANG YIBO

Não sei o que estou fazendo agora. O que estou fazendo?
Eu deveria usar esta viagem de trem para pôr em dia os e-mails e organizar minhas anotações.
Mas não estou trabalhando tanto quanto estou olhando para a tela do meu laptop, e não estou olhando para a tela tanto quanto estou olhando Zhan pelo canto do olho. Ele está dormindo com os braços cruzados sobre a mesa entre nós, a cabeça apoiada nos braços e os cílios longos e escuros contra as bochechas. Se não fosse pelas vestes de monge e os fios  soltos brilhando em seu cabelo, ele poderia ser um estudante universitário tirando um cochilo entre as aulas. Ele poderia ser nada além do irmão mais novo de Zhuocheng novamente, membros longos esparramados e pendurados em todos os lugares enquanto dorme no sofá do porão.

Ao longo dos últimos dois meses, essencialmente mudei minha vida inteira, e é por causa deste grande monge de olhos.negros na minha frente, e nem sei se entendo inteiramente o porquê. Ele me deixou, da pior maneira possível, sem um adeus, sem uma explicação, com apenas um rápido telefonema naquela noite para me dizer que estava cuidando de algumas coisas antes de entrar para um mosteiro e que estava me deixando a casa da fazenda para ficar com ela ou vender.
Ele me deixou exatamente quando eu o amava mais, exatamente quando eu estava prestes a declarar meu amor da maneira mais romântica que podia imaginar.
Não sou romântico por natureza; este sempre foi Zhan. Extravagância espontânea e depois ostentação infantil quando eu lhe agradecia por isso.
Depois, eu queria retribuir o favor. Queria lhe provar e talvez a mim que não era um silo de reserva e reprovação. Queria ser vulnerável, corajoso e poético para ele também. Não é metade da adrenalina de estar apaixonado? Estar vulnerável?
De qualquer forma, por mais que tenhamos trepado, viajado e passado todos os minutos juntos, não dissemos um ao outro eu te amo, e eu sabia que era minha culpa. Porque eu podia ver eu te amo em seus olhos sempre que ele olhava para mim, podia ouvir deslizando entre suas palavras enquanto ele falava. Ele teria me dito isso na primeira noite se eu tivesse deixado.
Mas eu precisava ter certeza. Eu sou assim: tenho que saber, tenho que saber com certeza.
(Ou eu costumava ser desse jeito, pelo menos. Porque agora não sei o que estou fazendo, não tenho nenhuma certeza, e terminei com um homem bom e voei meio mundo para o que é essencialmente a incerteza total na forma de um monge.)
A questão é que eu enfim estava pronto para dizer essas três palavras. Mesmo que houvesse momentos em que Zhan brilhava demais ou apagava completamente, como um celular com a bateria descarregada. Momentos em que ele me assombrava, momentos em que não aparecia em um evento ou jantar onde era meu acompanhante e então eu chegava em casa e o encontrava deitado no escuro, como se ele tivesse decidido apenas passar um tempo sozinho em vez de fazer o que disse que faria.
E então havia os momentos muito brilhantes, os momentos em que ele falava muito alto, muito descuidado, muito bêbado.
Nada disso acontecia com tanta frequência, mas aconteciam o suficiente para fazer amar Zhan era como estar em uma daquelas montanhas-russas que ele tanto amava. Eu ficava vibrando, tonto, enjoado de amá-lo. Eu sobreviveria a uma volta, com a cabeça girando, sem fôlego e com náuseas também, mas depois queria fazer tudo de novo.
E eu estava pronto para isso, para tudo o que dizer eu te amo significaria, então planejei um jantar especial que eu mesmo preparei. Eu me vesti, comprei flores. Eu diria aquelas palavras mágicas e ele me daria um daqueles olhares de Zhan, com seus olhos queimando e seu rosto corando, e então passaria a noite com ele insaciável e brincalhão debaixo de mim. E teríamos o resto de nossas vidas juntos, e eu saberia que tudo começou naquela noite, com meu eu te amo.
Só que ele não apareceu. Estava horas atrasado para o jantar em sua própria casa de merda, e quando finalmente entrou pela porta, não tinha nenhum motivo sério para sua ausência. Ele só tinha esquecido.
Talvez tivesse doído menos se eu não tivesse tentado ser tão aberto, ser o tipo de namorado que fazia mais do que levá-lo a eventos de arte locais e tentar fazê-lo ler algo além de livros de Star Wars. Talvez tivesse doído menos se eu não tivesse decidido que essas palavras precisavam ser um evento, se tivesse murmurado no escuro enquanto ele me batia uma punheta, como uma pessoa normal.
Mas não importa. Doeu. E a briga foi grande, o tipo de briga que pode terminar um relacionamento, embora não tivesse me ocorrido terminar nada na hora. Por que teria? Eu o amava. Na minha cabeça não havia nenhuma dúvida de que iria para a cama chateado e acordaria ainda chateado, mas talvez menos, e então resolveríamos isso.
E então acordei em uma casa de fazenda vazia. Sem caminhonete, sem namorado, sem explicação.
E quando consegui uma explicação, era a última coisa no mundo inteiro que eu esperava ouvir.
Um monge.
Quem poderia esperar isso? E de Xiao Zhan , de todas as malditas pessoas? O garoto propaganda de dinheiro e sexo? Talvez haja uma parte minha que ainda não consegue acreditar, embora eu tenha visto o Zhan transformado com meus próprios olhos. Mas como isso pode ser verdade?
E por que estou aqui?
E o que estou fazendo com ele? Este homem prometido, este homem celibatário, que não consigo parar de tentar - ou talvez seja ele me tentando.
Eu não sei.
Eu não sei.

(....)

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