QUARENTA E QUATRO

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      Três semanas depois, fiz minhas confissões. Mas o abade ainda não pediu para se encontrar comigo, o que seria típico de um monge que se comportou mal como eu.
Acho que não temo o encontro como temeria antes da minha viagem. Em parte, porque o abade parece ser tão amável e afetuoso comigo como sempre e fala comigo com frequência quando retomo minhas funções no escritório.

(Ele é especialmente afetuoso depois que faço um relatório sobre minha espionagem cervejeira e digo a ele como a operação do Monte Sergius é robusta em comparação com as abadias que visitei.)

Mas também não temo porque tudo parece inconsequente em comparação com a moagem e a mudança dentro da minha alma. Sinto-me triturado entre duas pedras de moinho, que estão me transformando em uma pasta úmida e polpuda. Em átomos. Em nada.

"Não posso competir com vagalumes no claustro. Por favor, não me faça tentar.
Mas por que não posso ter os dois, os vagalumes e o jornalista fofo?"

Por que competir é o único verbo possível?
E por que ele não ligou? Ou escreveu? Ou visitou?
Por que devo ser reduzido a nada sozinho?
— Irmão Seannn, — chama o irmão Titus da porta do meu escritório naquela manhã.
— Você tem um visitante! — Ele faz uma voz conspiratória. — E ele é bonito.

Yibo.
Não tenho a presença de espírito de lhe dar um olhar reprovador. Todo o meu ser salta para uma vida titubeante de excitação - alegria - luxúria. Mas então o pavor também vem se esgueirando em minhas veias.
Enquanto me levanto e sigo o irmão Titus até o claustro, meus pensamentos se aglomeram em minha mente mais rápido do que em dias, alimentados pelo pânico e pelo desejo.

Certo, fique quieto, fique calmo, eu me repreendo enquanto caminho. Seja um ouvinte melhor do que da última vez. Mas convença-o de que o ama, de que deseja um futuro juntos, de que você pode fazer isso...
Paro tão rápido na entrada do claustro que a bainha do meu hábito balança em torno dos meus pés.
Não é Yibo.
Não é Yibo sentado no banco, com o braço nas costas e a sobrancelha arqueada.

É Jamie. De todas as malditas pessoas. Com as costas perfeitamente retas e as mãos ao redor de algum tipo de coisa parecida com um Tupperware.
Não sei o que me força para a frente até o banco e me faz sentar. Pode ser hospitalidade beneditina ou curiosidade mórbida ou uma mistura de ambos, mas de alguma forma me encontro sentado ao lado do ex-noivo de Yibo.

— Muffin? — Jamie oferece, segurando uma vasilha que tenho certeza de que é feito de fibras de bambu ou algo igualmente responsável. A vasilha está cheia de muffins de aparência deliciosa. — Eu os fiz esta manhã.

Acho que seria indelicado dizer não, embora comer um muffin que Jamie fez seja como comer a manifestação de todas as maneiras pelas quais ele é uma pessoa melhor do que eu. Eu pego o muffin e o seguro entre as pontas dos dedos no meu colo.

— Jamie, é muito bom tê-lo aqui, — eu digo.
E eu acho... acho que não é totalmente uma mentira. Ele é muito simpático e me trouxe muffins, embora eu meio que tenha roubado seu noivo.
— Mas estou imaginando por que você quer me ver, depois de tudo o que aconteceu.
— Fiquei na dúvida em vir, — admite Jamie, empurrando seus óculos pela ponte de seu nariz. Eles têm aquele tipo de armações do estilo “vagamente deselegante, o que os torna ainda mais descolados”, e claro que ficam ótimos nele.
— Mas a única barreira real para vir era meu orgulho, e isso parecia um motivo muito fraco no final do dia.
— O orgulho pode não ser o melhor motivo para fazer ou não as coisas, mas dificilmente é fraco, — digo.
— Mesmo assim, eu sabia que me arrependeria de não vir vê-lo e é melhor agir de uma maneira agora que não cause arrependimento mais tarde
Isso é muito emocionalmente saudável e sábio, e é óbvio que não é o jeito que já vivi.

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