Prólogo

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Eu podia ouvir gritos. De onde vinham? Algo explodiu? Parecia ter sido uma explosão. Tive vontade de chorar quando o terrível som se dissolveu, deixando para trás apenas a estranha sensação de vazio, e então veio o medo de abrir os olhos enquanto eu sentia o mundo parar de girar à minha volta, tornando-se sólido e estático, finalmente.

Me lembro de poucos detalhes desse dia.

A grande maioria das minhas lembranças do dia que eu acordei do coma parecem embaçadas e distantes, como se fossem apenas mais um sonho bizarro. Me recordo de começar a sentir o toque dos lençóis brancos do meu leito contra a minha pele, do barulho dos aparelhos e do rosto dos meus pais, bem em cima de mim, quando eu abri os olhos. Seus rostos vermelhos e molhados por lágrimas. Consigo me lembrar de como eu não sabia onde eu estava ou quem eram aquelas pessoas, e como notar isso fez com que meus pais chorassem ainda mais. Frequentemente esse pensamento me ocorre, sobre como deve ser difícil ver sua filha dormir por meses depois de um acidente de carro, se preocupar e rezar todos os dias para que ela acorde, e então, quando finalmente seu desejo é atendido, você se dá conta que a pessoa que despertou não se lembra de nada de antes do acidente.

Deve ser do caralho ter que aceitar que sua filha não se lembra que você é a pessoa que a colocou no mundo.

Sinto muito por isso, mãe e pai.

Minha memória só clareia uma semana depois do dia em que eu acordei, quando eu já estava em casa tentando, sem sucesso algum, me lembrar de alguma coisa da vida que eu tinha ali. Com a intenção de me ajudar, meus pais passaram um mês inteiro fazendo todas as minhas coisas favoritas em casa e também me levando até lugares, e pessoas, que faziam parte das nossas vidas antes de eu virar uma mente oca. Por dois meses eles sentiram falta da minha antiga personalidade, doce e solidária. Durante três meses eles tentaram continuar a nossa vida de onde ela foi interrompida. Seis meses depois eles aceitaram que teríamos que começar do zero.

Eu demorei muito a aceitar isso tudo, que eu não teria a vida perfeita que eu aparentava ter tido antes.

Foi do caralho fazer isso também.

Porém, com o tempo essas são coisas que conseguimos superar, o problema está mesmo é nos sonhos que me perseguiram desde então. Isso é algo que se tornou inevitável. Esse é o maior buraco que ficou em mim de toda essa situação, esses sonhos lúcidos frequentes, se embaralhando um no outro todas as vezes e que eu desperto.

O lado positivo por trás de tudo isso? Meu psiquiatra e terapeuta ficaram ricos quando minha vida inteira se tornou um perfeito caos.

Oriane Deflammer - O Retorno Do PesadeloOnde histórias criam vida. Descubra agora