Prólogo

8 1 0
                                    

O movimento era intenso por toda a cidade estelar, mesmo o cais fervilhava com movimento dos navios que chegavam aos montes, trazendo os turistas e nobres convidados para a coroação no final de semana. Dentro do castelo também estava tudo uma bela confusão, ao ponto de que o salão turquesa quase não tinha estado vazio. Toda a ilha tinha a atenção voltada para o reino onde o sol jamais sobe aos céus.

Isso era o que tornava aquele o cenário perfeito para o que eu estava prestes a fazer.

Desde que foi dado início às preparações para o evento mais aguardado das últimas duas décadas, a sensação que eu tive foi a de estar enjaulada. Não saberia responder caso me perguntassem por quantas horas eu montei guarda na frente da porta fechada da sala de reuniões, onde eu sabia que minha família estava reunida. Não saberia dizer quantas vezes parei diante deles, quando os homens do conselho foram embora, e me acovardei antes que conseguisse contar o que descobri sobre aquela maldita profecia.

Foram dias dedicados apenas em tentar trazer aquele assunto à tona, contudo, nenhum deles pareceu interessado em me ouvir. Nem mesmo Aiby se mostrou disponível, correndo de um lado para o outro do castelo e do quartel, designando as funções e postos do restante dos homens membros da guarda real, para garantir que tudo corresse dentro do planejado quando nosso irmão tivesse a coroa de estrelas colocada sobre sua cabeça.

Tudo para garantir a perfeição quando Lohan entrasse para a história. Lohan Collen Wishine, I Grande Rei de Stellarion...

Soava terrível para mim.

Enquanto em meio aquela floresta escura e cercada por uma névoa densa, eu me vi me questionando como teria sido o dia do meu irmãozinho. Todos deveriam estar furiosos com o meu desaparecimento, até porque durante aquela semana de viagem foram muitas as vezes que eu vi comunicados relatando a busca por mim, valendo prêmio em dinheiro e tudo. O recém coroado Grande Rei, busca pela sua irmã humana. Não inspirava uma ótima primeira impressão para seus súditos e aliados, na minha opinião, não em um mundo onde humanos eram vistos como escória.

Meu plano de passar despercebida só deu certo devido ao longo período de festa em homenagem ao merdinha do meu irmão, chamado pelos povos da ilha de "o herói que nos foi prometido".

Finalmente alguém voltou a subir ao trono designado para o rei dos reis. A esperança tinha voltado a brilhar forte com Stellarion novamente fortalecida, pelo renascer da coroa mais poderosa de todo o planeta. Estava se iniciando uma nova dinastia.

Dois comerciantes em um cavalo cinzento jamais seria algo relevante para nenhum daqueles que festejavam nos reinos elementais, pelos quais passamos a caminho da Floresta Noite Eterna.

O toque gélido do bracelete em meu pulso me manteve atrelada ao presente, enquanto eu aguardava em silêncio pelo retorno daquele com quem eu barganhei para ir comigo até ali. Mentalmente eu contava cada segundo que eu passava em meio às árvores consumidas pela escuridão que habitava aquela floresta. Não era o tipo de lugar no qual se entrava por pura e espontânea vontade, mas eu já estava sem opções.

Precisava estar ali para que conseguisse encontrar o que não era apenas a única salvação para todos os cinco grandes reinos, como também o único meio para evitar que Lohan morresse tentando abraçar um destino heroico que não era o seu.

A profecia tinha de ser cumprida, mas meu irmão não parecia me dar ouvidos quando eu lhe dizia que aquele a fazê-lo não se tratava dele. Ninguém parecia me ouvir; nem o conselho, nem meus pais, nem Aibek — que era quem eu mais esperava apoiar minha interpretação do futuro que foi visto pelos oráculos.

Já fazia dez minutos que eu estava ali, o que era bem mais do que ele havia me garantido precisar para encontrá-la.

Eu troquei o peso de uma perna para outra, mantendo minha atenção fixa no templo em ruínas diante de mim, com os outros sentidos aguçados em caso de qualquer acontecimento suspeito. Um dia aquelas pedras caídas já foram uma belíssima construção erguida pelos antigos, para adorar a um deus do qual já não se sabia mais o nome. Era a minha primeira vez a vendo, mas não pude ultrapassar os seus limites. Por ser humana eu atrairia todo tipo de criatura caso pisasse sobre sua estrutura.

Mais um minuto se completava.

A atmosfera do lugar mudou, um frio congelante me envolveu, o cheiro de ferro retornou e então as escamas de dragão deixadas ao chão rodopiaram, sendo sopradas por um vento sobrenatural. A adaga com o punho feito de chifre de quimera estremeceu, a lâmina cravada sobre uma poça de sangue preto e fétido no chão.

Instintivamente eu assumi uma posição de luta, pernas separadas e pés bem posicionados, erguendo lentamente o braço e mirando direto na nuvem escura que se formava. Meu bracelete vibrou enquanto a magia aprisionada no mesmo gerava força.

Do meio da sombra, um corpo foi lançado, pousando no solo apodrecido da floresta com os pés perfeitamente plantados. Ele nem mesmo bambeou, se firmando e caminhando na minha direção, enquanto carregava nos braços o corpo apagado da garota sobre quem eu tantas vezes ouvi os lendários feitos serem narrados por meio das canções que eram cantadas nos festivais.

O sorriso macabro e cheio de presas do demônio transbordava orgulho.

Meu coração quase não batia mais. Eu estava certa, aquele tempo todo eu estive certa. Não estava maluca.

Ele parou de caminhar bem diante de mim, sendo inteligente o suficiente para se manter calado enquanto eu observava a garota adormecida que ele me trouxe. Era idêntica aos registros da sessão privada do conselho; igual a como era descrita na histórias; idêntica ao monumento erguido em sua homenagem anos antes. Aquela era a pessoa que por tanto tempo eu orquestrei encontrar.

Todos me odiariam, mas dane-se.

O destino do mundo ainda podia ser salvo e, aquela última esperança, eu quem trouxe de volta. 

Oriane Deflammer - O Retorno Do PesadeloOnde histórias criam vida. Descubra agora