Capítulo 7 - Eu quero acordar

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Minha pele parecia estar fria, mesmo que eu não sentisse meu corpo tremer. O conforto do sofá macio no qual eu me deitava desapareceu, restando apenas o toque gelado da pedra firme e desnivelada contra a qual eu me encolhi, tentando preservar o calor do meu corpo. Por um tempo não quis abrir os olhos, apenas fiquei atenta ao que os meus outros sentidos captavam.

Eu me sentei, esperando minha visão se acostumar com o escuro quase total de onde eu estava; algumas pedras me cercavam e o som do pingar de uma goteira me fez deduzir que eu estava em uma caverna, sem sombra de dúvidas. Por puro instinto eu olhei para as minhas mãos, tentando sem sucesso contar meus dedos, um por um. Depois de três tentativas eu desisti, apenas aceitando que eu estava em um sonho muito lúcido.

A única fonte de luz vinha de uma abertura mais à frente da caverna.

Apoiando as mãos no chão eu me levantei, achando engraçada a forma como meu corpo parecia leve, como se eu fosse feita de ar e apenas isso. Cada passo era como deslizar, apesar de eu conseguir sentir o toque do chão da caverna através da meia felpuda que eu mantinha nos pés, enquanto eu seguia em direção a luz meio tremeluzente mais adiante.

Quando eu cheguei mais perto eu comecei a ouvir vozes, mas eram apenas burburinhos que eu achei ser incapaz de compreender devido a distância. Eu podia sentir uma vibração estranha como se fosse um tipo de tremor que percorria o ar, fazendo o chão, as paredes e também o teto sobre minha cabeça tremer. Tudo parecia meio que com túneis escavados na rocha, e eu me perguntei onde eu estava.

Ao sair pela passagem que parecia o fim de um túnel, o lugar ao meu redor se abriu e eu me vi em um tipo de caverna central, com teto muito alto e paredes de rocha cinza escuro. O chão, diferentemente do caminho de onde eu vinha, era liso como a superfície imperturbada das águas de um lago. Contudo, o mais surpreendente era a multidão que se fazia presente ali formando pelo menos três círculos, um dentro do outro, nos quais aquelas pessoas se sentavam.

Várias fogueiras iluminavam toda a caverna.

Não, eu constatei com intenso terror ao me aproximar mais das figuras ajoelhadas sobre o chão de pedra, isso não são pessoas. Arquejando eu me afastei três bons passos das coisas que se balançavam para os lados com sincronia, como se fosse uma coreografia, para seja lá o que era aquilo que eles diziam.

Porém, eles não pareceram me ouvir.

Também não pareceram me ver quando eu voltei a me aproximar, parando bem diante de um deles. Sua voz era tão rouca e engasgada como a dos outros, seu corpo era magro demais e ele vestia uma roupa de um tecido fino e preto que lembrava uma túnica grega, ou pelo menos uma versão gótica disso. Eu jamais tinha visto algo como aquilo, seu rosto era fino, os olhos eram totalmente pretos e a pele cinzenta, as orelhas eram alongadas e todos os dentes eram afiados e serrilhados como os de um tubarão. Aquilo não era uma pessoa, mas também não era nenhum animal que eu já tivesse visto, o que tornava aquilo a mais pura imaginação da minha cabeça.

Eu me ajoelhei diante dele, olhando seu rosto enquanto a criatura parecia enxergar através de mim, como se eu fosse invisível para ele. O idioma que ele falava parecia ser de outro mundo, algo que não soava como nada que eu já tivesse ouvido antes, era como uma música insana e brutal que todos eles se dedicavam ao máximo para pronunciar cada palavra com clareza.

Quando me levantei, lancei mais um olhar em volta, para todas as criaturas que estavam reunidas com um propósito que eu não compreendia. Tambores ditavam o ritmo a ser seguido e, somente quando eu voltei a caminhar por entre as fileiras, analisando todas aquelas coisas. Alguns eram altos e assustadoramente magros, outros pareciam menores e mais humanos, a pele menos cinza e até tinham cabelos. Eu passei por uma criatura com asas e uma longa queimadura na lateral do rosto, diferentemente dos seus colegas ele parecia mais rosnar do que pronunciar palavras, sua feição era feroz enquanto ele se balançava junto dos outros. Aquilo que ele falava era fora da sintonia dos demais, era bem mais alto também, quase como se ele gritasse.

Todo o lugar era frio apesar das fogueiras acesas, mas nenhum deles parecia se incomodar com isso.

Que tipo de sonho é esse? Eu quero acordar.

Apesar do meu desejo, eu continuava ali, assistindo invisível aquela coisa bizarra.

Todos se calaram, com exceção da coisa com asas, que continuou fazendo sons esquisitos com sua boca lotada de dentes horrendos. Ele se levantou de onde estava, caminhando descalço até o centro de tudo, sem saber que eu o seguia a cada passo, sendo guiada por ele quando os outros abriam passagem. Seus braços estavam estendidos, abertos, como quem espera por um abraço de alguém...

A fumaça escura no centro de tudo não parecia querer um abraço. A fumaça escura não gosta de ninguém, eu pensei comigo mesma, o que ele está fazendo?

A fumaça estendeu sua mão na direção da criatura alada, abrindo os dedos para que as pequenas pecinhas que o seu devoto seguidor tinha para lhe entregar fossem colocadas na sua palma. Sem precisar receber uma ordem direta, a criatura obedeceu ao pedido do seu mestre, lhe entregando as cinco coisinhas brancas, em torno das quais a fumaça fechou seus longos dedos.

Foi aí que o servo alado também se calou.

Eu os circulei, meus passos lentos, a ansiedade cresceu em meu peito, disparando meu coração. Meu corpo fantasmagórico não tremia, mas se pudesse, eu tenho certeza que estaria.

A fumaça sacudiu as contas brancas e então lançou as cinco no chão. Todos assistiram com ansiedade elas rolarem pelo chão liso do salão; três delas se afastaram, cada uma seguiu uma direção diferente, mas as outras duas...

Meu corpo inteiro se arrepiou quando as duas contas brancas restantes pararam de rolar ao se chocarem contra a ponta dos meus pés. São ossos, a realização me atingiu em cheio. Repentinamente, meu corpo se tornou pesado, como se a gravidade voltasse a surtir efeito sobre ele.

Aquilo tudo era um ritual.

Foi quando a fumaça se desenrolou, se espreguiçando ela se levantou, tornando-se então uma silhueta escura, porém muito visível.

Era alta e tremeluzente, e... seus olhos amarelos me fizeram sentir puro pavor quando foram fixados em mim.

A fumaça se abriu um pouco, como se aquilo sorrisse.

Os seus seguidores se levantaram, os olhos fixos no seu mestre quando este estendeu a mão para frente, apontando. Seu dedo apontou para o centro do meu peito, apenas há alguns metros de distância.

Quando ele falou, sua voz não pareceu vir dele, mas sim de dentro da minha mente, tão suave quanto a voz de alguém que tenta ninar uma criança.

— Eu vejo você, Oriane Deflammer — Eu quero acordar, quero ir embora daqui. — Eu vejo você.

Antes que a fumaça tivesse a oportunidade de fazer qualquer movimento, eu tive a sensação de ser sugada para fora dali e tudo voltou a ficar escuro.

Oriane Deflammer - O Retorno Do PesadeloOnde histórias criam vida. Descubra agora