Capítulo 9 - Fui salva, mas não sei se isso significa que estou segura

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Sonhar que está caindo é sempre estranho, sentimos frio na barriga e então acordamos meio tontos e assustados. Geralmente, para mim, esses sonhos sempre acontecem do mesmo jeito assustador e nada comum: eu sempre estou dormindo na beira de um penhasco, e eu rolo para ajeitar minha coberta mas acabo caindo da beirada.

Ter um sonho onde eu estou caindo no vazio, no entanto, se mostrou muito diferente.

Meu corpo parecia ser empurrado pelo vento, como se para propositalmente pegar mais velocidade na queda infinita, fazendo com que eu me sentisse naquela história infantil que meu pai me explicou uma vez, da menina que cai na toca de coelho. O frio na barriga era bem mais intenso, mas como não tinha fundo eu não fiquei com medo da pancada final.

Eu girava e girava sem parar no ar morno que me envolvia, me sentindo cada vez mais desorientada.

Decidi que o melhor a se fazer era fechar meus olhos e esperar até que aquilo acabasse. Eu abracei a escuridão.

Minha cabeça estava meio confusa quando eu abri os olhos. Eu estava deitada em algo macio e uma brisa fresca beijava minha pele, mas eu sentia um forte desconforto, como se simplesmente fosse errado eu estar ali, sob aquelas circunstâncias. Eu podia ouvir vozes falando baixinho, não muito longe dali, e quis entender o que diziam.

Por impulso eu busquei pelos meus cobertores para me proteger da friagem, ficando completamente decepcionada ao não encontrar nada além de feno.

Pela primeira vez eu processei que o teto acima de mim era o do celeiro, mofado e com furos; pássaros se empoleiravam nas tábuas acima da minha cabeça, mantendo os bicos meio escondidos em meio às suas penas. Uma coruja me olhava lá de cima, com seus enormes olhos sendo iluminados pela luz da lua, visível através de um enorme buraco nas telhas velhas, brilhando naquele céu limpo e estrelado. Eram tantas estrelas. Jamais tinha visto nada como aquilo antes.

Uma vez eu pesquisei sobre astronomia em casa. Será que eu conseguia encontrar alguma constelação ali?

O apagão da cidade deve ter acabado com a poluição luminosa.

Era maravilhoso.

— Em nome de Altharx...

Aquela voz masculina. Eu a reconhecia de algum lugar, de algo que parecia mais uma lembrança distante do que qualquer outra coisa.

Seja lá quem dizia, teve sua fala interrompida rispidamente pela segunda pessoa ali no celeiro além de mim. Apesar de não saber quem era, eu soube identificar a ira por trás do tom de voz controlado daquela mulher.

— Não ouse jamais pronunciar esse nome sujo na minha presença novamente, demônio traiçoeiro.

A risada que o homem soltou foi fria, a mais cruel que já ouvi.

— Você quer mesmo me cobrar algo depois de quebrar um acordo feito comigo, Wishine? — ele falou o que eu deduzi ser o nome dela com tanto ódio que fez com que eu me arrepiasse — Você me deu seu nome, criança, só preciso disso para me vingar, assim que tiraram essa sua invenção dos meus pulsos.

— Essa é a graça da situação em si, porque eu também tenho o seu nome e absolutamente ninguém vai te soltar.

— Você é apenas uma fêmea humana, criatura horrenda. Como tem coragem de me ameaçar?

Eu me sentei na cama de feno na qual eu me deitava, na intenção de ver quem eram as minhas companhias, o problema é que meu ombro latejou com o esforço e uma dor intensa embaçou minha visão, fazendo com que eu praticamente uivasse em decorrência do incômodo repentino do meu machucado. Um machucado real, que doía como o inferno.

O celeiro era bagunçado e sujo e, definitivamente, não era o da minha casa nem o da minha avó. Tinha cheiro de cocô de passarinho, mofo e coisas apodrecidas. As enormes portas duplas estavam abertas e deixavam que uma luz prata tornasse visível as duas silhuetas paradas ali mais adiante. Ambos olhavam para mim desde que eu atraí sua atenção.

Com a pouca visibilidade eu pude notar a forma como o homem tinha os pulsos unidos um no outro, algemado. Diante dele a mulher era mais baixa, mas sua postura era digna de um general que se dirige aos seus homens.

Queria ver seus rostos, mas algo dentro de mim me convenceu de que era melhor não ter essa imagem.

Medo gritou em meu cérebro quando o homem virou totalmente seu corpo na minha direção, tendo seus ombros largos destacados na sua silhueta escura. A mulher mais parecia uma estátua de tão imóvel que estava.

Eu abri a boca, mas não ousei falar.

Ao invés disso foi a voz de timbre grave do homem que encheu o espaço entre nós três.

— Ela não devia estar acordada.

— Bom, pelo visto você não é tão eficaz quanto se diz ser.

Definitivamente eles não eram aliados.

— Olhem — eu comecei com a voz trêmula — Eu juro que não quero problema com vocês e...

— Me solta para eu poder apagar ela — o homem falou esticando os pulsos algemados para sua companheira que, ao invés de obedecer, apenas desembainhou uma adaga do seu cinto e avançou rapidamente na minha direção.

Seus passos eram determinados.

Eu tentei me levantar para fugir, mas uma estranha dor irradiou da minha perna.

— Eu mesma posso resolver isso.

— Por favor...

Não tive tempo de implorar, assim que a mulher estava sob mim, virou sua lâmina da mão e então bateu com o punho da mesma contra a minha cabeça, me apagando. Mais uma vez.

Seja forte, querida.

Era uma voz tão doce...

Escute-me, Oriane. Seja forte, e nós estaremos ao seu lado. Ouça sua intuição, é a única coisa na qual vai poder confiar cegamente nessa sua jornada. Não se permita ser derrotada, jamais.

Eu não compreendo.

— Vai entender. Cedo ou tarde, vai entender. Concentre-se em encontrá-lo, ou tudo estará perdido.



Oriane Deflammer - O Retorno Do PesadeloOnde histórias criam vida. Descubra agora