Na manhã seguinte Maria é a primeira a acordar. Desce as escadas animada certa de que se oferecesse pão o tritãozinho iria gosta e não comeria mais seus peixinhos. Provavelmente assim seriam amigos.
Poucos degraus abaixo, sente um cheiro forte de peixe podre. Tapando o nariz volta correndo para avisar o pai.
O capitão Alves acorda em um sobre salto nervoso. Imaginando que tipo de problema iria encontrar ele corre para ver o barril.
A miúda fica da escada assistindo tudo. Vendo o pai retirar a pedra e abrir a tampa, logo um cheiro ainda mais forte sobe, causando ânsia de vômito ao velho.
Dentro do barril, o pai encontra o tritão desmaiado na água turva com evidências de que vomitou.
Sem pensar duas vezes ele entorna o líquido ali mesmo, derrubando o tritão no piso. Com o sacolejo o pequeno acorda atingindo o chão e começa a sufocar abrindo suas guelras em desespero.
O capitão o puxa para si, retirando-o de dentro do barril. Sem contato com a água, o corpo dele sofre uma metamorfose, a calda se transforma em duas pernas parecidas com humanas.
Embora sua pele imitasse aparecia humana, ela era coberta de minúsculas escamas placoides, dando uma textura de lixa a pele do pequeno. Seus dentículos dérmicos¹ eram semelhantes aos de um tubarão, sendo menores e mais refinados. Somente a cintura e partes da coxa permaneciam com as escamas amarelas prateadas de peixe, após a metamorfose.
A menina se assombra com a mudança, mas em seguida sua expressão revela agonia pelo pequeno tritão que demonstra sofrer e pedindo ajuda solta uns gritinhos com um som agudo parecendo um golfinho chorando.
Ligeiro, o capitão Alves alcança um pano sobre a mesa e molha no que restou de água no barril. Colocando o tecido úmido sobre as guelras do menino. Assim o pequeno se acalma, parece estar respirando novamente embora com dificuldade.
Aos gritos o pai chama por Joaquim que salta da cama e corre para o local. A mãe também acorda com os gritos e abre a porta do quarto.
— Rápido Joaquim! Vá buscar água no mar! — bravejou Alves.
O jovem atordoado, fica sem ação e o pai precisa gritar uma segunda vez, para que ele corra atrás de um balde. Observando o irmão, Maria decide ajudar e se apressa pegando um segundo balde.
— Tudo eu! — reclamava Joaquim pegando o balde ainda sonolento.
O pequeno tritão ficou quietinho deitado no colo do capitão. Respirando com dificuldade, ele coloca suas mãozinhas sobre o pano em seu pescoço, tocando de leve os dedos do velho. Por um segundo Alves olha com amor para aquela criaturinha frágil, sofrendo em seus braços. Aqueles dedinhos tão pequenos e delicados contrastam com a mão calejada do velho.
"Sinto muito criança, mas minha família precisa de dinheiro..."
Em poucos minutos Joaquim está de volta. O pai age rápido, entorna o resto da água suja e logo ergue o tritão em seus braços, devolvendo-o ao barril seco. O pequeno segura o pano com força, evidenciando todo o seu medo em sufocar novamente.
Para sua sorte um balde de água é derramado sobre sua cabeça.
— Rápido Joaquim, traga mais água. — ordena o pai devolvendo-lhe o balde.
O jovem sai sem demora. No caminho passa por Maria que, com dificuldade, está quase arrastando o balde pesado. Se esforçando para ajudar também.
A mãe fica sem forças no segundo andar. Beatriz tentou descer para socorrer o marido, mas teve uma crise de tosse e vendo uma mancha vermelha em seu lenço decide esconder sua situação, para não preocupa-los ainda mais.
"Melhor me deitar, as crianças dependem de mim. Preciso melhorar logo." medita tentando controlar a tosse e se encolhendo na cama, com a dor profunda que sente no peito.
Joaquim chega com o segundo balde, um pouco atrás Maria vem, ainda arrastando o seu com dificuldade.
Ansioso o capitão joga sobre o tritão a água, que logo chega na altura das guelras.
O tritãozinho se encolhe, o suficiente para submergir até o queixo. Assim solta o pano e volta a respirar normalmente.
Maria percebe o alívio na face do pai. Vira o balde, curiosa, usando-o como degrau para subir e olhar dentro do barril.
— Pobrezinho... Oh! As pernas dele voltaram a ser calda! — exclama a menina admirada.
O capitão não lhe dá atenção e manda o filho trazer mais água. Maria fica ali analisando o tritão e sentindo pena. Pensando que agora que ajudou poderiam sim ser amigos e ele é tão bonitinho. O peixinho lhe fez mal deveria comer pão, imaginava.
Pouco depois Joaquim retorna acompanhado do imediato.
— O que aconteceu Alves?
— Ainda não sei. Ele passou mal... Mas não pode ter sido o peixe, eu lhe dei a mesma coisa das outras vezes... — reflete o capitão.
— Hum... Talvez um enjoo?... No barco ele ainda tinha o balanço do mar. Mas agora em terra firme... — arrisca Marco
— Faz sentido. Um enjoo por falta do balanço. Igual a um marujo de primeira viagem. Hahaha! Menos mal... — se alegra o velho Alves.
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¹ Dentículos dérmicos - Essa escama com estrutura parecida com a de um dente possui esmalte, dentina, vasos e nervos. Têm origem na derme e podem ser substituídas como as células da pele. Exclusivas dos peixes cartilaginosos. O corpo do tritão é composto por essas escamas de tamanho minúsculo imitando a derme humana, quase perfeitamente. Somente sua calda possui escamas grandes arredondadas, flexíveis e sobrepostas formando um padrão de anéis.
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Meu Tritão
Fantasy🥇Colocado no Concurso Dulce Morsum 2024 - Melhor Capa 🥈Colocado no Concurso Expresso The Coffee House 2024 - Melhor Capa Um barco Baleeiro chega ao cais com uma carga clandestina cheia de vida. A pequena Maria, filha do comandante, se encanta com...