Quebra da quarta parede

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Hoje, decidi gravar um vídeo — não um vídeo comum, mas algo mais próximo de um desabafo. A sugestão veio do Thiwson, e eu achei a ideia interessante. Sinto que preciso expressar meus pensamentos, mesmo que seja só para mim mesmo; afinal, Gemini já tem preocupações demais, principalmente quando voltarmos pra casa. Mas como eu prometi, vou protegê-lo.

Primeiro, pego minha câmera e a posiciono cuidadosamente para capturar o melhor ângulo possível. Quando cheguei, o quarto do Gun estava uma bagunça, mas consegui organizá-lo decentemente.

Ajeito meu cabelo e dou uma última conferida para garantir que minha roupa esteja impecável. Mesmo que não esteja planejando uma transmissão ao vivo, ainda quero parecer apresentável diante da câmera. Pressiono o botão de gravação e hesito por um momento antes de começar a falar. É curioso como, nessas situações, a mente às vezes dá um branco, não sei se já passou por isso.

— Olá, meu nome é Fourth. Tecnicamente, é Nattawat Jirochtikul, mas acho que o nome artístico é mais fácil, especialmente para quem é do Ocidente. Se você tem me acompanhado, sabe que minha vida se tornou uma verdadeira loucura nos últimos dias. Navegar por outras dimensões não é uma tarefa fácil, se é que você me entende.

É engraçado falar sozinho, com todo respeito a você telespectador que só existe na minha cabeça. Me sinto como quando preciso ensaiar minhas falas antes de gravar as cenas. Aliás, você sabia que muitas cenas foram improvisadas? Pois é, atuar com o namorado tem suas vantagens. Não preciso fingir que amo os personagens do Gemini. Meu sorriso bobo agora é a prova viva disso.

— Bom, vamos direto ao ponto. Estou gravando esse vídeo para conversar um pouquinho, talvez com você, talvez comigo mesmo, sei lá. Só quero desabafar um pouco sobre toda essa loucura. Ontem tivemos uma reunião com várias pessoas. No meu mundo, eles são apenas personagens, mas aqui, eles são reais. Todos deram suas opiniões e sugestões de como poderíamos resolver essa situação. Algo que se destacou muito foi a questão dos sonhos. No começo, achávamos que era bobagem, mas Phuwin, quer dizer, Nueng, trouxe novamente essa ideia por outro ponto de vista. Quando todos compartilharam seus sonhos, conseguimos perceber uma coincidência incrível. Todas as pessoas aqui já sonharam com seus respectivos eus da minha dimensão. Parece loucura, né? Mas acredito que Gun já deve ter sonhado comigo, ou me visto em seus sonhos e não deve ter entendido nada. Já sonhou com você mesmo vivendo outra vida? Então, provavelmente é seu outro eu em outra dimensão.

Suspiro, cansado. Essa coisa de gravar aleatoriamente parece estranha. Mas continuo.

— O fato é que agora sinto que estamos mais perto de encontrar uma saída. Talvez os sonhos sejam a resposta, ou talvez não, não sabemos, é tudo uma suposição.

Meu olhar desvia brevemente para o quarto de Gun, e a saudade do meu próprio espaço se faz presente. Apesar de ter interpretado aquele personagem, Gun é uma pessoa real com suas próprias nuances e preferências, distinto de quem eu sou.

— Tudo o que eu quero é que as coisas voltem ao normal. Sinto uma falta danada da minha família e dos meus amigos. Por mais imperfeita que seja a minha dimensão, é o meu lar, minha realidade. Não consigo viver a vida de outra pessoa. Gem compartilha desse sentimento, mas sua situação é mais delicada. Estou determinado a tornar a vida dele mais leve, e sei exatamente como fazer isso.

Um sorriso involuntário ilumina meu rosto ao lembrar do sorriso de Gemini.

— Hoje ele está na casa dele, na verdade, na casa do Tinn. Nossas mães insistiram que precisávamos de mais momentos individuais, alegando que estávamos muito grudados. Discordo completamente, provavelmente porque estou profundamente apaixonado. Quero passar cada minuto com ele, e já estou morrendo de saudades. Você já sentiu isso por alguém? É um sentimento tão bonito, ainda mais quando é recíproco.

Fico pensativo por alguns minutos, e passa pela minha mente uma cena nada agradável da forma como o pai de Gemini o trata. Isso me faz refletir sobre por que as pessoas não conseguem aceitar um amor tão bonito e puro como o nosso. As coisas precisam mudar.

— As coisas precisam mudar. Confesso que conversar com você, no caso a câmera, é um tanto diferente. Me lembro de uma série que o Neo fez. Você conhece o Neo? O ator que fez o Boston, personagem polêmico. Ele também fez uma série onde diversas vezes conversava com os telespectadores, achei aquilo incrível, mas fazendo isso agora me sinto tímido. Sério, se você me conhecer um pouquinho mais, vai ver que sou bem tímido. Mas, voltando ao que interessa, Nueng sugeriu fazermos mais duas visitas a dois monges, pois segundo ele, precisamos de três propostas diferentes antes de tomar uma decisão. Acho engraçado como o Nueng vê uma solução corporativa em tudo e às vezes até faz um pouco de sentido. Não sei o que irá nos aguardar, mas no próximo fim de semana iremos subir a montanha para encontrar um monge que vive lá no alto. Por mais que eu já tenha gravado uma cena parecida com o Chinzilla e saiba o que me aguarda, confesso que estou com um pouco de medo, não pela subida íngreme e cansativa, mas pelo que o monge irá nos falar, ou pra ser mais exato, o que ele não irá nos falar. Talvez a resposta dele seja a mesma que a do primeiro monge que visitamos, talvez ele não tenha uma resposta. Só sei que o tempo está passando e a cada dia me preocupo com Tinn e Gun em nosso mundo. Vamos combinar, não é um lugar muito fácil de se sobreviver, ainda mais para a minoria. Mas eu confio em Tinn e sei que assim como Gemini ele é ponderado e saberá como conduzir bem qualquer situação inesperada. Se você assistiu My School President sabe do que eu tô falando, se não assistiu deveria assistir, ouvi dizer que os atores além de lindos são ótimos. Vou te contar um segredinho que fica entre nós: GeminiFourth é real — Sussurro a última frase como se alguém fosse me ouvir.

— Não vejo a hora de assumir meu relacionamento com o Gem. Você acha que os fãs vão nos apoiar ou sofremos homofobia por parte deles? Mas convenhamos, isso seria muito hipócrita, não concorda? Mas enfim, vamos manter um espírito positivo, a começar com nossa missão de voltar para casa. Obrigado por me ouvirem e me desejem sorte! 

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