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Mas afinal, onde está aquele bastardo do Dimitri? E o Ragazzo Nicolas? Questionei enquanto me afastava desse momento de fraqueza.
-Não fale assim do seu irmão, sabe que seu pai não gosta. O defendeu rindo. Nicolas está na aula de montaria, a temporada de duelos se aproxima. Bom, você já falou com sua mãe, criança? Sussurrou enquanto desenhava meu rosto. Durante a infância lhe questionei porque o fazia e ela me disse que era uma forma de nunca esquecer meu rosto, mesmo que eu crescesse e ela não pudesse me ver.
-Estou falando agora. Respondi sorrindo. -Tudo bem, mãe, subirei aos meus aposentos e descerei apenas para o jantar, até logo. Beijei sua testa e subi antes que ela continuasse a falar de Antonella.
-Sabe que não pode evitá-la para sempre.
-Ciao! Acenei no meio da escada.
-Descanse, meu filho. Disse em voz alta antes de voltar para a cozinha.
Ao subir percebi que o castelo permanecia intacto, com a escada de dois lados, forrada em ouro e marfim, o chão em madeira refinada e as portas mais resistentes que uma espada. Os mesmos quadros que apresentavam a linhagem, um lustre esplêndido que poderia iluminar todo o trono, e uma parte isolada e envernizada no chão para que fosse possível dançar e deslizar sem que houvesse tropeços. Lembrei-me da minha última dança com Stella, do seu sorriso enquanto dançávamos pelo salão, o jeito que fechava os olhos ao dançar comigo, o som da sua alegria manifestada em risos, o peso de seu corpo ao meu. Onde está você, querida? Por que me deixou tão cedo? Saio de meus pensamentos ao subir o último degrau. Na frente de meus aposentos havia dois guardas reais, tão atentos quanto poderiam estar.
-Não permitam que ninguém entre ou sequer se aproxime desta porta, caso aconteça terão grandes consequências. Notifiquei ao entrar e ambos acenaram de maneira positiva.
Adentrei o quarto e por um momento fechei os olhos para não ver, não ver a sua penteadeira, ou seu vestido predileto na cabeceira, os seus livros de poesia sobre a mesa de descanso, não podia abrir os olhos e ver a sua ausência. Tateei o cômodo até o lavabo, e lá estava o seu cheiro, que costumava estar em toda parte, mas agora preso num vasilhame de loção.
Ainda havia na janela um jarro com o presente que recebemos da Índia, após uma visita para estreitamento comercial nos foi dado uma especiaria, diretamente da família das Lauráceas, a canela. Com aroma natural, recordei-me da camponesa. Me aproximei do jarro para lembrar novamente daquele aroma mas não eram idênticos. O dela parecia ser singular.
-O que falta nessa canela para cheirar como ela? Pensei alto.
-Falando sozinho, majestade? Assustei-me com a entrada silenciosa de Dimitri.
-Deixei claro que não estava aberto para visitas!
-O que é você? Um circo? Sou um maldito freguês? Tenha compaixão, ó majestade, vim visitar meu irmão que esteve longe de mim por tempo o suficiente.
-O que você quer, bastardo? O vi endurecer a postura.
- Me chame dessa forma novamente e contarei a papai que você derrubou o vinho que ele produziu antes mesmo que ele pudesse provar. Ameaçou cerrando os olhos.
-Não se atreveria, eu peço sua cabeça Dimitri! Não brinque com coisa séria. Resmunguei emburrado.
-Então esqueça esse termo ridículo que usa sempre que me vê, não sou um maldito bastardo. Temos o mesmo pai e mãe, como isso faz de mim um bastardo? O exílio mexeu com sua cabeça mais uma vez, cazzo. Disse inconformado.
-Olha como fala, seu bastardo! Não esqueça que sou seu rei. Esbravejei e nos encaramos como numa luta. Até que fui ao seu encontro e o abracei, foi como se voltássemos a ser crianças novamente.
-Não nos abandone outra vez, Dom. Não é justo conosco, eu e o papai ficamos desolados com sua partida e a mamãe, ela nem conseguia comer ou mesmo levantar da cama. Não consigo nos ver passando por algo assim novamente. No início eu o culpava, mas passei a entendê-lo melhor. Estamos aqui por você, somos a Famiglia Vierno e sempre seremos. Dimitri proferiu com a voz falha enquanto me apertava.
-Estou considerando ficar até que tudo se resolva, é tudo que posso lhe prometer. Sinto pelo que passaram na minha ausência, sei que não foi fácil para o povo também, mas tudo se resolverá, fratello. Sorri compreensivo.
-Tutto bene, já falou com a mamãe? Perguntou esperançoso.
-Por que todos me fazem essa pergunta? Ela diz ter sentido tanto a minha ausência, mas sequer teve coragem de vir até mim desde que cheguei. Disse em tom de zombaria.
-Ela ainda é sua mãe, não importa a reação que teve. Você precisa parar de culpá-la, ela não foi a responsável pelo que aconteceu com Stella, você procurou desesperadamente por alguém para odiar e culpar, e a mamãe foi o alvo mais fácil para você. Todos nós sabemos quem  está por trás do que aconteceu, mas você se nega a ver.
-Você não sabe do que está falando, e não me diga o que devo ou não fazer, apenas deixe meus aposentos Dimitri. Falei entre dentes, na esperança de que me escutasse.
-Poupe-me do seu ódio desenfreado e poupe a mamãe também, todos amávamos a nossa rainha, mas ela se foi e é hora de você seguir em frente. Até quando vai chorar pelos cantos e se isolar? Ela não vai voltar Dominic mas nós ainda estamos aqui e voc..
-SAIA! SAIA IMEDIATAMENTE DAQUI DIMITRI, OU EU NÃO RESPONDEREI POR MIM. Gritei impaciente com Dimitri.
-NÃO. CHEGA! CHEGA DE ANDARMOS EM CÍRCULOS POR ISSO. Aceite o luto, mas não faça dele a sua vida. Gritou exasperado.
-QUEM É VOCÊ PARA FALAR DE LUTO? Vociferei fechando o punho. VOCÊ JÁ PERDEU O AMOR DA SUA VIDA? VOCÊ NEM MESMO SABE O QUE É AMAR ALGUÉM DESSA FORMA, SAIA ANTES QUE EU PERCA O CONTROLE.
-Você precisa voltar a viver!
-O que é viver para você? Sair pelos bordéis e jurar amor para todas, ou esvaziar os barris de vinho da cidade antes do entardecer? Me diga Dimitri, qual versão é viver para você? Se apaixonar por uma mulher da vida? Dividi-la com todos? Pude ver a mágoa em seus olhos conforme eu dizia aquilo.
-É assim que me vê, Dominic? Como um verdadeiro inútil que só pensa em diversão? Por isso me chama de bastardo? Perguntou enquanto encarava o chão.
-Apenas saia, antes que as coisas piorem. Assim ele o fez, me encarando uma última vez antes de sair. Fiquei apenas com o peso das minhas palavras.

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⏰ Última atualização: Nov 30, 2023 ⏰

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