Talvez não fosse o melhor momento, mas Simone Tebet sentia saudade. Parecia uma drogada em abstinência. O sentimento da falta lhe tirava o sono, e ela se deu conta de que nunca esteve tão perdida. Tão perdida por um dia ter se encontrado.
Não há momento certo para estar entregue ao que se deseja, e certamente, é na vontade incessante de acertar que se encontra o erro. Como podia ser tão errado amar na ânsia por ser amada de volta? Simone não sabia, não queria saber de nada. Na verdade, queria saber dela. Um arrepio suave lhe correu pela nuca ao se lembrar dos beijos quentes e arrastados que a dona dos olhos de onça deixava bem ali, onde a morena acabou por afagar, rezando para que perdesse a memória. Ou a vergonha na cara.
Tinha sido, de fato, muito sem vergonha na última vez em que esteve junto de Soraya, entregue a toda a paixão fervorosa que a mulher tinha para lhe oferecer. Aceitou de bom grado. Para depois se julgar arrependida. Possuía mesmo um arrependimento tão falso quanto os selinhos ásperos que recebia do marido em qualquer comemoração banal, em frente aos familiares.
Se perguntou incontáveis vezes sobre o quão valioso era se manter tão retraída, tão infiel a tudo o que lhe consumia a consciência e lhe atormentava o juízo. De quê valia tudo aquilo? Por que, ou por quem, se mantinha naquela pose intocável a todo instante? Quase todo instante. Comprimiu as pálpebras, como se o fato de não enxergar o próprio reflexo naquele momento a livrasse do peso de ter de encarar a realidade como era: da maneira que o interlocutor decide ver.
Simone estava em um de seus tantos apartamentos, no centro da capital de Mato Grosso do Sul. Talvez por isso estivesse tão nostálgica, ou poderia dizer saudosista? Há tanto tempo não dava um respiro em sua agenda corrida, e logo quando decidiu passar um final de semana em Campo Grande, de alguma forma a informação de que Soraya também estaria lá chegou até os seus conhecimentos. "Malditos grupos de Whatsapp", pensou inquieta. A loira, que não era de Ipanema, mas que ainda assim era uma coisa linda de se ver, estava a poucos metros de distância da ministra de Estado. Três andares acima dela.
O banheiro que Simone, que se encontrava atormentada pelos demônios que ela mesma criava, havia acabado de usar para tomar banho, ainda estava úmido e abafado. Ela se observava no espelho parcialmente embaçado, e julgava desconhecer a figura que encarava ali. A política Simone Tebet. Essa era ela em parte integral do tempo. Por diversas vezes também foi mãe. Se recordava com carinho da época em que sua atenção era requisitada pelas Marias. Quase sentiu o peito se encher de uma dor que só a saudade daquilo que não volta mais é capaz de preencher, mas falhou. Sua mente traíra estava muito ocupada em fazê-la sentir saudade do cargo de amante, e o vazio que sentia entre as pernas era muito mais incômodo e latente.
Fazia mais de trinta graus naquela cidade que, no geral, era tão querida por Simone. Ainda estava enrolada na toalha, mas seu corpo já não molhava mais. Pôde caminhar em pés descalços sobre o chão gelado pelo ar condicionado assim que abriu a porta do banheiro. Gostava, por vezes, de tomar banho ouvindo música. Mas parou com aquele costume que, segundo a mesma, foi maculado nos dias em que o dividiu com a ex-colega de Senado. Como era implicante!
Debochou de si mesma quando os dedos digitaram Lança Perfume na pesquisa do Spotify. Assim que o toque inicial reverberou baixinho pelo quarto, ela deu de ombros. Não estava mais no banho, afinal. Que mal faria ouvir a música que tanto lhe fazia lembrar dela? Ah, Simone Tebet... Já tinha sido mais esperta em tempos passados.
Lembrou-se do tão famoso verso do poeta que sempre era sua companhia aos fins de semana solitários: navegar é preciso, viver não é preciso. O tanto que aquela frase havia moldado a maneira de enxergar sua própria existência... Mesmo que fosse sem querer, ela notou. O que era viver, afinal? Não era preciso, pois não havia a necessidade; não era preciso por não haver precisão. Navegar, então? Isso sim era necessário, e ainda assim, tão impreciso quanto aquilo que englobava o todo. A vida já estava implícita no navegar. Isso era viver, isso era necessário.
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The Other Woman - Simone e Soraya
Любовные романы+18. A outra mulher; a outra história. Contos aleatórios, baseados em músicas ou não, sobre Simone e Soraya. Tudo fanfic, nada de compromisso com a realidade.